Série Expedição Américo Vespúcio - Parte 2

Içando âncoras rumo ao Atlântico

27 de setembro de 2004

 A operação para colocar o barco na água foi um desastre: o barco emborcou. Depois do resgate, desfraldaram-se as bandeiras e uma imagem de São Francisco foi entronizada junto ao timoneiro. Uma prece e a partida de Iguatama-MG rumo ao oceano Atlântico. Adrenalina pura para os 28 expedicionários que faziam a histórica viagem de estudo… Ver artigo

 A operação para colocar o barco na água foi um desastre: o barco emborcou. Depois do resgate, desfraldaram-se as bandeiras e uma imagem de São Francisco foi entronizada junto ao timoneiro. Uma prece e a partida de Iguatama-MG rumo ao oceano Atlântico. Adrenalina pura para os 28 expedicionários que faziam a histórica viagem de estudo


Os expedicionários e visitantes estavam eufóricos. Jamais se viu tamanho movimento ali. Calderón trazia uma camiseta à moda árabe na cabeça, Geraldo Guedes/Sebrae é o “professor do ecoturismo”, o geólogo Ernesto Ferrante, da Delgitec, é o “cientista maluco”. O Pipes, barco que tem as iniciais de Pedro Iran Pereira Espírito Santo, empresário de Carolina-MA, foi lançado às águas. Desastre! A popa dele foi para o fundo do rio. Após o resgate, desfraldamos as bandeiras e Rafaelito fez uma apologia ao rio. Rezamos a oração de São Francisco e entronizamos a imagem trazida pela veterana professora Maria Paraizo, junto ao timoneiro Murilo. Bem à frente. Então ele toma a palavra e diz forte e seguro:
“Estamos içando as âncoras rumo a Lagoa da Prata, esta é a primeira vez que um barco de porte navega nessas águas. Respeitem as normas de segurança. Vamos com Deus!”
Ainda saudamos os repórteres: “Bem-vindos amigos da imprensa. Estamos indo rumo ao Atlântico!” Pura adrenalina! A barca zarpa sob um silvo rouco às 16h30m de 16 de novembro de 2001.
A multidão acena, nuvens negras anunciam mais chuvas e o nível do rio sobe sem parar. As curvas vão ficando para trás, temos uma vista da cidade, chegam as pontes de ferro belgas, e pouco abaixo as barras dos rios São Miguel e Bambuí.
A participação da Embrapa/Centro Nacional de Pesquisa do Solo, “teve como objetivo básico contribuir com informações sobre o uso das terras ao longo do rio e tentar estabelecer a relação deste uso com os recursos hídricos na bacia”, uma definição sucinta face ao imenso acervo científico e cartográfico da empresa.
E começamos a anotar tudo. Matas ciliares ora compactas bordejando as águas, ora decepadas e inexistentes. Biguás, garças, mergulhões, tucanos e outras aves parecem dar boas vindas aos 28 expedicionários. Alguns integrantes da expedição seguiram de ônibus para as audiências públicas em Pompéu e Abaeté.
 A mesa dos navegadores da expedição (Ênio e Geraldo) fora ocupada indevidamente. Vemos que as estudantes Michele e Alexandra da, Escola de Biologia local, substituíram os diretores Wiliam Protásio e Lucivane Lamounier, Maristela Victor (e o Vinícius Kiko, o Beto), anfitriões que equiparam o barco com fogão, geladeira etc. As vozes se misturam, ouvimos Lola Garcia da Tribuna Formiguense confidenciar à Niude Espírito Santo: “Até parece que estamos naqueles cruzeiros do Nilo!”. Parece que andou vendo filmes ou lendo Agatha Christie.
Já noite escura, cruzamos com risco duas “pontes do bagaço” da usina de açúcar que atravancam o rio, clandestinas. O barco se comprimiu entre os esteios. Uma salva de palmas para o comandante. Minutos depois o barco atraca em solo  lagopratense em meio aos canaviais e nuvens de pernilongos. Enquanto parte da equipe acende a fogueira para travessia da noite, fomos para um hotel.
Sobre a audiência pública, citamos o prefeito Zezinho, de Lagoa da Prata: “É fundamental que cada fazendeiro desperte para a preservação de cada córrego, ainda que pequeno. Sem esta contribuição individual não será possível a revitalização do São Francisco”. No rio Santana, de um total de 40km, 26 já foram reflorestados.



Audiências públicas contam duras verdades


Saímos bastante cedo para Pompéu, a cerca de 220km. Em meio a trechos de paisagens belíssimas desde a largada em Iguatama até aqui, notamos a degradação geral da mata ciliar e de morros sem mata de topo, agravada pelo desvio do rio, a “transposição” feita há 22 anos pela usina açucareira, e a drenagem de várzeas. Passamos debaixo de duas belas pontes de ferro alemãs, de ferrovias desativadas, mas que a revitalização poderá reativar como elos para o ecoturismo. A meio caminho na Ponte Quebrada almoçamos “quentinhas” trazidas pela Nurimar Alice e a Flor Maria. Mais abaixo avistamos o dique para impedir a entrada das águas das cheias na lagoa-berçário, feito em agosto por um pecuarista, autuado pelo major PMFlor Adilson Teófilo Elias, quando da nossa batimetria para a expedição. Citamos a agrônoma gaúcha Cláudia Petry, doutora em paisagem, no meu diário: “que evoluiu seu pensamento de ‘técnica’ a partir de conhecimentos da geografia, da história e da sociologia, utilizando o tema da paisagem identitária”, e mais “…paisagem é para todos, não só para uma elite cultivada…” Atracamos no negrume da noite próximo à ponte que liga Pompéu a Abaeté.
Sobre a audiência pública em Pompéu, lemos no diário de José Carlos/Embrapa) que:
1 – O prefeito Francisco Assis e assessor Galba afirmam que “efluentes são lançados às águas sem tratamento e não há recursos para a construção de ETE”;
2 – Da plenária duas pessoas pedem “um levantamento ecoturístico para a região e muita educação ambiental”;
3 – Gilson alerta “que as pessoas vêm como turistas e saem como predadoras”;
4 – Técnicos do Ibama alertam para o grave problema dos agrotóxicos e extração predatória de ardósia na região.
Em Abaeté, as denúncias caíram sobre a “morte do rio Marmelada”, retificado, com margens drenadas nos anos 80. Hoje poluído por um frigorífico.
Conclusão geral: muita beleza em meio à muita destruição.


Drenagem das Lagoas
Em Três Marias visitamos a Estação de Hidrobiologia e Piscicultura da Codevasf, ciceroneados pelo biólogo Yoshime Sato, um cientista do rio: “Pior que a ausência de escada de peixes, é a drenagem das lagoas desde Iguatama que vocês viram até aqui”.  Por todo um dia tempestuoso navegamos  até o porto de Morada Nova e mais além, passando pela ilha das Marias e reserva biológica de Pirapitinga. Vimos muitos fornos de carvão. Visitamos a indústria Votorantim de zinco que não convenceu a ninguém com sua exposição ambiental dos efluentes de metal pesado. Então partimos para a audiência pública no auditório da Cemig, recebidos por pessoas tão unidas, como o prefeito Padre Geraldo Gê, seus assessores e a comunidade: a Bárbara Johnsen, Silvia Friedman, o pescador Norberto, “Manuelzão do rio”, o engenheiro e ambientalista Vicente Resende.
José Carlos, “o Caminha”, tudo anotou: “O município deve conhecer os projetos da expedição e a expedição deve conhecer os projetos do município”, disse o prefeito Padre Gê, acrescentando que “rio vivo, peixe vivo, povo vivo”. Norberto disse que “as barragens são o pior problema para os peixes no rio São Francisco”, enquanto para Sato “o ambiente é uma coisa só, estamos discutindo peixe, mas a questão é mais ampla. Em um sistema, até os pequenos peixes têm importância na cadeia”. Ao final recebemos a Carta de Três Marias.


Geraldo Gentil Vieira, Engenheiro agrônomo, Codevasf-Brasília
Ênio Fraga, pesquisador/pedólogo, Embrapa/Solos-RJ
José Carlos P. dos Santos, pesquisador Embrapa/Solos
Alberto R. Calderón Canessa
Codevasf-Brasília 
www.americovespucio.com.br