Ecoturismo na Amazônia

O paraíso amazônico

21 de outubro de 2004

Depois de uma hora de barco e mais 40km de estrada até o Rio Araçá, o mundo se transforma. É só cruzar a ponte sobre o rio Araçá em direção a Porto Velho, pronto, a civilização ficou longe. Daí para frente o cenário começa a receber tinta nova, luz forte e sons esquisitos que nada… Ver artigo


Depois de uma hora de barco e mais 40km de estrada até o Rio Araçá, o mundo se transforma. É só cruzar a ponte sobre o rio Araçá em direção a Porto Velho, pronto, a civilização ficou longe. Daí para frente o cenário começa a receber tinta nova, luz forte e sons esquisitos que nada tem a ver com o agito urbano. É como se adentrasse o paraíso terrestre.
A visão é única: as árvores caem chorosas, cada uma de um jeito, de uma cor e de folhas diferentes, sobre as margens dos rios. As voadeiras, barcos simples que levam até três pessoas, passam a ser o único meio de transporte, sobretudo fora do período de chuva. O ruído agudo do pequeno motor contrasta com o canto dos pássaros que parecem responder ao intruso visitante.
Uma hora e quarenta de voadeira, um número infinito de curvas e cenários novos, chega-se a um lago imenso. Verdadeiro espelho d’água a refletir o céu: de dia, as nuvens e o sol; à noite, as estrelas. É aquela água translúcida que refresca e ameniza o calor ambiente que bate os 36 graus.
O destaque na entrada do lago é a placa branca com uma tarja verde-amarela: APA do Lago Tracajá – Área de Proteção Ambiental. A gente começa a sentir que a responsabilidade do governo brasileiro chegou tão longe. Para quê? Simples, para preservar um paraíso e deixá-lo virgem para as próximas gerações. Ah! Mas não é bem assim… A responsabilidade é mesmo brasileira, mas a história é outra. Contada pelo caseiro da casa flutuante, onde se pode hospedar, a gente fica logo sabendo que o esforço de preservação, no caso, não é de governo. É privado. Foi fruto de um árduo e longo trabalho de 16 amigos de Manaus que construíram a casa flutuante e decidiram apoiar a conservação da área do lago, instaurando ali o pesque-e-solte. O presidente Lula bem poderia conhecer o caso pioneiro de Parceria Público Privada no meio da selva amazônica.
Tão logo os turistas se instalam na simpática, mas modesta habitação, o desejo é cair de cabeça naquele paraíso.
Um comitê de recepção especial dá as boas vindas: o místico boto cor de rosa aparece ao vivo e a cores, aos bandos, com um ruidoso assopro que parece querer dizer “sejam bem vindos!”. Não se sabe bem porquê, mas são animais extremamente simpáticos. Parecem sorrir e até, juram as índias cor de jambo, que podem vê-los piscar para elas com o rabo dos olhos. Lenda? Não sei. Mesmo porque os causos são muitos, as histórias são boas e as lendas amazônicas são como as histórias da Bíblia: existe uma para cada situação.
O jacaré, maroto e lento, balança a calda como num aceno de mão. Mas, como? Um jacaré ali do lado, tranqüilo, sem se importar com tantos forasteiros? Não acredito!


As novidades amazônicas que encantam


Foto: O transporte é feito de barco-táxi que  leva seis passageiros e custa 50 centavos para qualquer lugar que se vá


Buscamos, sem encontrar, a famosa Tracajá, uma tartaruga pequena, de cor preta brilhante, símbolo do lago. Talvez esteja se fazendo de difícil, mas teremos chances de vê-la mais à frente. Diante da grandiosidade de tudo, ficamos meio decepcionados quando o momento chegou. Seu tamanho é diminuto muito embora apareça sempre em grandes quantidades.
Uma volta pelo lago nos mostra como vivem ali as 30 famílias. São mais ou menos 150 pessoas, morando em modestas casas de sapê, plantando mandioca para fazer farinha, o alimento obrigatório e histórico, e cuidando de algumas poucas cabeças de gado para o leite e a carne das crianças.
De construção, apenas uma pequena escola abandonada. É período de férias. Um templo religioso imponente até demais para quem vive tão longe. E são tão poucos!
Na comunidade não existe nem automóvel, nem moto e muito menos bicicleta. O transporte é feito só mesmo em pequenos barcos. O barco-táxi leva seis passageiros e tem cobertura para amainar o calor do sol escaldante. A passagem custa 50 centavos para qualquer lugar que se vá. Vive-se um verdadeiro sem destino, sem pressa, sem documento…
Nesta época do ano, tempo de chuva, as águas altas invadem o continente e afastam os pescadores. É que os peixes também são espertos. Querem vida boa: segurança e alimento. E eles conseguem essa boa vida adentrando a floresta submersa. Assim teimam em não querer voltar ao leito do rio. Os peixes não querem saber se são férias, se tem muitos turistas com modernas varas de pescar e sedutoras e coloridas iscas. Só quando novembro chegar, e as águas baixarem, será a vez dos pescadores.
O dia do turista no Lago Tracajá é cheio de novidades amazônicas: tem esqui aquático, natação, pescaria, mergulho, churrasco, tudo numa sessão contínua de fotografia. Até que a tarde cai e com ela novos e inoportunos visitantes. Das seis da tarde às oito da noite é hora do Off. Isso mesmo: é hora do repelente. O local é invadido pelos pernilongos. Visita de hora marcada.
O lago é cultura: descubro que algumas pessoas têm capacidade especial para atrair as picadas. Algo como o cheiro e a cor da pele. Enquanto uns se coçam, outros nem sentem! A invasão dos pernilongos tem uma vantagem: a atividade obrigatória fica sendo o carteado na casa fechada por telas e bafejada pela brisa úmida do pôr do sol.
Pouco tempo e chega a lua. Indecentemente cheia e bela, refletindo no lago a luz de prata que enche qualquer coração urbano de encantamento.
O barulho da noite lembra um silêncio ensurdecedor. Entre um muxôxo e outro de um sonolento pássaro, um assopro mais forte do boto tucuxi, um vazio longo e mudo. A travessia da noite é longa, misteriosa e benfazeja. Parece nos lembrar quão longe estamos de nossa morada. Mais: como é possível ao mais insensível ser humano ver e ouvir o mundo, desligando a tomada para um merecido relaxamento.
O dia valeu pelo espetáculo pleno de beleza e pujança. A viagem valeu por descobrir um novo e fantástico Brasil. Um Brasil que fez de sua natureza, um santuário para se encontrar com Deus.


*Jack Corrêa
é profissional de RP
e vice-presidente
da Coca-Cola