Editorial

Caro Leitor

23 de fevereiro de 2005

O Brasil vai muito além dos comemoradíssimos 500 anos. Pense bem: o que são, hoje, os 505 anos da Descoberta de Pedro Álvares Cabral, em confronto com os mais de 60 mil anos de manifestações da arte e da cultura humana encontradas nos sítios arqueológicos do Parque Nacional da Serra da Capivara? Muito pouco. O… Ver artigo

O Brasil vai muito além dos comemoradíssimos 500 anos. Pense bem: o que são, hoje, os 505 anos da Descoberta de Pedro Álvares Cabral, em confronto com os mais de 60 mil anos de manifestações da arte e da cultura humana encontradas nos sítios arqueológicos do Parque Nacional da Serra da Capivara? Muito pouco. O Brasil contemporâneo pode ter nascido há cinco séculos em Porto Seguro, mas os primeiros habitantes desta Terra viveram, comprovadamente, há 600 séculos na região de São Raimundo Nonato, no Piauí.
Localizado em uma área de 130 mil hectares, o Parque Nacional da Serra da Capivara sempre foi um exemplo de conservação do Patrimônio Histórico e ambiental. Tanto que em 1991, foi consagrado patrimônio mundial pela Unesco. A Fundação Museu do Homem Americano, dirigida por Niéde Guidon, em parceria com o Ibama, foi quem organizou o manejo do Parque, desenvolveu pesquisas e montou um centro interdisciplinar para abrigo da documentação. Na verdade, pelo trabalho da Fundham, do Ibama e do Iphan, o Parque Nacional da Serra da Capivara foi uma das áreas de interesse ambiental e cultural mais bem preservadas do Brasil. Mas, infelizmente, isso hoje mudou. Pior ainda: o próprio estado brasileiro tem provocado esta mudança. Na verdade, parece que voltamos à década de 70 e 80, quando o Estado era o maior depredador, fazendo rodovias, barragens e obras diversas sem qualquer levantamento arqueológico. Hoje o Estado brasileiro volta ao banco dos réus, pois está provocando uma erosão ambiental e cultural ao aprovar assentamentos no entorno de dois parques: o Parque Nacional da Serra da Capivara e o Parque da Serra das Confusões. Bastou se fazer um estudo para a criação de um Corredor Ecológico entre as duas unidades de conservação, para o próprio Estado interromper o trabalho.
O Brasil é grande demais e, com certeza, outras regiões serão muito mais propícias aos assentamentos e à reforma agrária. A destruição de parques, de sítios arqueológicos, em qualquer região, significa uma perda para a própria história do seu povo e de toda humanidade. No caso do Parque Nacional da Serra da Capivara, a perda é dupla: pela erosão de um patrimônio fantástico que se esvai em queimadas, desmatamentos, caçadas e depredações e pela perda de uma oportunidade única: fazer da região um atrativo turístico com potencial de atrair, por ano, mais de três milhões de turistas de alto poder aquisitivo interessados em conhecer, estudar e pesquisar esse patrimônio da humanidade.
A cientista Niéde Guidon nos ensina, em sua entrevista, que pensar grande é ter responsabilidade com nosso passado e nosso futuro. É pensar nos 60 mil anos de Terra Brasilis e não só nos 500 anos mais recentes. Quem não sabe de onde vem, dificilmente saberá para onde vai.


SUMMARY


Dear reader
Brazil goes far beyond its highly commemorated 500 years.  Think about it:  what are we, today, 505 years after discovery by  Pedro Álvares Cabral, compared to the over 60,000 years of human artistic and cultural expression found at the archeological sites in the Parque Nacional da Serra da Capivara? Very little indeed.  Contemporary Brazil, may have been born five centuries ago in Porto Seguro, but the first inhabitants of this land have been proven to have lived 600 centuries ago in the region of São Raimundo Nonato, in the state of  Piauí.
Located over a 130 hectare-area, the Parque Nacional da Serra da Capivara has always served as an example of environmental and historic heritage conservation.  So much so that in 1991, it was declared a world historic heritage area by UNESCO.  Niéde Guidon has directed the Fundação Museu do Homen Americano, in partnership with IBAMA, and is the person who organized the management of the Park, developed research and created an interdisciplinary center to house documentation.  In reality, due to the work of Fundham, IBAMA and IPHAN, the Parque Nacional da Serra da Capivara was one of the best preserved environmental and cultural interest areas in Brazil.  However, unfortunately, this has all changed today.  Even worse, the Brazilian government itself has caused this transformation.  Indeed, it appears as though we have returned to the decade of the 70?s and the 80?s when the State was the greatest devastator, building highways, dams and other works without conducting any archeological studies.  Today, the Brazilian government has returned to the seat of the defendant, because it has caused environmental and cultural erosion by approving settlements within the two parks:  the Parque Nacional da Serra da Capivara and the Parque da Serra das Confusões. One only need conduct a study to create an Ecological Corridor between the two conservation units for the State to interrupt the work. 
Brazil is a big country and certainly other regions would be much more favorable for locating settlements and instituting agrarian reform.  The destruction of parks and archeological sites in any region, would mean a loss of own history of its people and all humanity.  In the case of the Parque Nacional da Serra da Capivara, the loss is twofold:  the erosion of a fantastic heritage which is being destroyed by land clearing fires, forest clearing, hunting and depredation and the loss of a unique opportunity:  to make the region a tourist attraction, capable of drawing over three million tourists a year who have an enormous purchasing power and are interested in learning, studying and researching the heritage to Humanity.
The scientist, Niéde Guidon teaches us in her interview, to think big and take responsibility for our past and our future as well as look at the 60,000 years of Terra Brasilis, not just our most recent 500-year history.  He who does not know where he comes from will find it difficult to know where he is going. 


SG