Ponto de Vista

Álcool combustível, biodiesel e o ambiente

23 de fevereiro de 2005

A tecnologia automotiva avança a passos largos. Depois do “Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores – Proconve”, resultado inicial da Resolução nº18, de 06/05/86 do Conama, houve drástica redução da emissão de poluentes. Houve um aumento considerável de potência, utilizando-se motores de mesma cilindrada de décadas anteriores, novos materiais, ambientalmente menos poluentes,… Ver artigo


A tecnologia automotiva avança a passos largos. Depois do “Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores – Proconve”, resultado inicial da Resolução nº18, de 06/05/86 do Conama, houve drástica redução da emissão de poluentes.
Houve um aumento considerável de potência, utilizando-se motores de mesma cilindrada de décadas anteriores, novos materiais, ambientalmente menos poluentes, combustíveis alternativos e novas matrizes energéticas oriundas da biomassa. Será que a matriz energética oriunda da nossa biomassa (cultura da cana-de-açúcar, produtora de nossos combustíveis tupiniquins, o álcool hidratado e o anidro, e agora a cultura de oleaginosas soja, mamona, girassol etc),  também acompanha o sucesso tecnológico?
Favorável e, grande incentivador de programas como o Próálcool e, agora, o do biodiesel, comecei a me preocupar com a evolução tecnológica do setor agrícola.
Vamos ver o caso do álcool combustível, que é conhecido como “combustível limpo”. Realmente o é, se levarmos em conta as emissões poluentes dos demais combustíveis fósseis. Mas há controvérsias. Isso se considerarmos sua produção com o plantio da cana-de-açúcar e todos os agrotóxicos envolvidos, passando pela fertirrigação com o vinhoto, completando com a colheita cujo processo de queimadas é cultural, inclusive na cabeça do poder público.
O fato é que ocorrem diversos tipos de degradação do solo, lançamento de efluentes nocivos ao meio ambiente em cursos d’água, alteração de temperatura de pequenos córregos, armazenagem de material poluidor, para não entrar nos detalhes de ordem técnica, como as operações unitárias, onde há um elevado consumo de água e emissão de efluentes líquidos que causam impactos ambientais negativos.
E tem ainda as queimadas. Estas são uma tamanha aberração em termos de “naufrágio” de nossa biodiversidade, se é possível havê-la em monoculturas, causando poluições atmosféricas de extrema gravidade.
O lucro a curto prazo dos   produtores e refinadores de álcool, faz com que o setor produtivo e o poder público se esqueçam de mais de 90% sub-produtos químicos de elevado poder agregado, na maioria importados, que poderiam ser obtidos com o desenvolvimento de um sistema paralelo de química fina!
Agora vamos ver o biodiesel. A idéia é excelente, pois permite um elevado valor agregado, com a criação de empregos, desde a plantação, colheita, extração ou química de produção. No entanto, peca por não haver a normatização do processo de extrativismo que vem por aí. As oleaginosas poderão ser transformadas em monoculturas altamente dispendiosas. Alimentadas por agrotóxicos ainda poderão causar a degradação dos resquícios da Mata Atlântica. A interface entre o Cerrado e a selva Amazônica podem se transformar em monoculturas.
E vale um outro alerta: pela tecnologia dos transgênicos, que começou com a soja, e logo passará para o milho e outros produtos, vem a possibilidade real de grande dependência tecnológica junto às multinacionais.
Ambos os programas, o do álcool combustível e o do biodiesel, são excelentes. Acreditamos, no entanto, que o passivo ambiental que possa por eles ser deixado será grande. Primeiro, em face da ausência de acompanhamento, há décadas, do Pro-álcool; segundo, pela não expectativa de acompanhamento e normatização agricultável do programa biodiesel. Isso acrescido da inexistência de uma política sustentável mais eficiente que leve em conta o local de plantio, a colheita e a indústria de transformação. Tudo isso poderá desencadear situações não previstas no balanço energético e de passivos ambientais.
No momento, instituições de ensino e pesquisa, universidades, a Embrapa, IAC de Campinas e outros centros possam fazer esse balanço energético e analisar a relação de custo/benefício das duas matrizes energéticas.
Ainda há tempo para alterações e correção de rumo destes importantes programas, no sentido de redimensionamento científico, ético ambiental e produtivo.
(*) Paulo Finotti é químico industrial,
presidente da Sociedade de Defesa Regional do Meio Ambiente
e ex-conselheiro
do Conama.