Editorial

Caro Leitor

15 de julho de 2005

O Brasil assiste atônito, ao vivo e em cores, às CPIs instaladas no Congresso Nacional. Todas elas – a CPI dos Correios, do Mensalão e do Bingo – buscam identificar e punir esquemas de corrupção que envolvem verbas do governo, de parlamentares, de empresas e de partidos políticos. Corrupção – está aí uma palavra que… Ver artigo

O Brasil assiste atônito, ao vivo e em cores, às CPIs instaladas no Congresso Nacional. Todas elas – a CPI dos Correios, do Mensalão e do Bingo – buscam identificar e punir esquemas de corrupção que envolvem verbas do governo, de parlamentares, de empresas e de partidos políticos.
Corrupção – está aí uma palavra que parece ter unanimidade nacional. Não há quem seja a favor. Não há quem faça um discurso – seja no Parlamento, seja nas campanhas políticas, seja nos programas dos partidos, ou seja no boteco da esquina – que não se diz contra a corrupção. Se está no planalto, no poder, planta o chavão: “Esse governo não rouba e não deixa roubar!” Se está na planície, planta conversas e opiniões contra os corruptos. Mas nem um e nem outro parece falar a verdade. O discurso sempre é um, mas os atos são outros.


A grande  maioria das pessoas é contra a corrupção. No discurso! Mas na prática, tudo parece mudar de figura. Na hora de sonegar um imposto, de comprar um CD pirata, de adquirir um software na feira sem nota, de fazer um caixa dois e até de comprar um ingresso no câmbio negro, não tem problema.
Na hora de pedir voto num comício, todos bradam contra a corrupção. Mas na hora de governar, todas as concessões são feitas. Como é duro ver um político maduro, profissional e de cabelos brancos recebendo mensalões e mensalinhos! Como é duro ver jovens que mal começaram a vida e já estão fraudando vestibulares e concursos públicos.


Fiz esta abertura sobre a corrupção, para fazer uma analogia sobre o desmatamento da Amazônia. Também o discurso pela proteção da Amazônia brasileira é uma unânime. Mas, a meu ver, também parece… Nos discursos, nas campanhas políticas e na mídia não há quem não fixe posição contra o desmatamento. A favor das florestas. Mas, no dia-a-dia, a realidade é outra. Tal qual a corrupção, mil artimanhas e mil subterfúgios são usados para colocar a floresta abaixo. Os madeireiros usam seus argumentos diabólicos, suas notas frias indecentes, seus documentos bichados para retirar os mognos e castanheiras da floresta. Os criadores de gado e plantadores de soja usam seus pretextos desenvolvimentistas para burlar a lei. Os garimpeiros usam sua informalidade e ganância para poluir solos, rios e índios. E os consumidores nacionais e estrangeiros usam da cara de pau ao comprar mognos, ipês, angelins e aroeiras para fazer móveis e decorar casas. E assim, num mutirão de interesses, a floresta vai caindo e dando lugar a clareiras no coração da Amazônia e no coração das pessoas de bem.


A Agenda 21 conclama as nações, desde a RIO?92, para “conservar as florestas existentes” e “sustentar e ampliar as áreas florestadas e coberturas arbóreas.” Infelizmente, os altos níveis de perda de floresta natural na Amazônia durante os últimos anos, provocados pela corrupção e atividades ilegais (mais de 26 mil km2 por ano desmatados) continuaram resistindo à ação da mídia, do governos e dos fiscais.


Corrupção também é poluição. Seja ela comprando consciência no Parlamento, comprando espaço na mídia ou, até mesmo promovendo o comércio ilegal da madeira, da flora e da fauna.
Na teia destas ações de fraudes cometidas por cidadãos inescrupulosos em conluio com servidores públicos, há um outro prato sendo servido à sociedade brasileira e que está dando muita indigestão: os desmandos políticos e administrativos dos últimos tempos. A falta de gestão do Estado e a falta de visão dos tomadores de decisão.


Na verdade, na última década, o Estado brasileiro foi diminuindo. No processo de execução do orçamento público federal existe uma palavra-chave que mata a gestão pública: contingenciamento. Não há como fazer planejamento num órgão público se os recursos são cortados. Pior ainda: se estão previstos e não são repassados a tempo e a hora.


No caso específico do Ibama, um órgão desaparelhado, inadequado, sem tecnologia e sem recursos humanos e financeiros para realizar um inventário florestal, como defender toda uma floresta? Como rastrear a destruição ilegal de florestas e fornecer dados confiáveis à sua proteção? Como sensibilizar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário para dar um basta à grilagem de terra e às políticas públicas de incentivos à uma agricultura devastadora das florestas naturais?


Sinceramente, tenho muita pena do eng. florestal Antônio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama, que foi algemado e preso. Justificativa da Polícia Federal para prendê-lo: crime de omissão. Simplesmente, Hummel foi preso porque deixou que desmatassem a Floresta Amazônica. Sem orçamento, sem gente e sem meios, não sei como um simples diretor do Ibama poderia evitar esse desastre. Exemplo: como proteger as árvores do Parque Nacional do Jaú, na Amazônia, que tem 22.729 km2 (quase uma Bélgica) com apenas dois fiscais e mal remunerados?
Falta de gestão, corrupção, desmatamento, mensalão, fraudes em concursos… Tudo isto é uma triste realidade que aumenta a poluição e incentiva a impunidade. Muito pior ainda:  mata a esperança.