Caixa preta nuclear

Mil fontes radioativas fora de controle

14 de junho de 2006

Milano Lopes, de BrasíliaEm um contundente relatório de 218 páginas, o Grupo de Trabalho criado no âmbito da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, traçou um perfil inquietante da situação da política de segurança nuclear no Brasil, afirmando que mais de mil fontes radioativas estão fora de controle no Brasil, indicando a possibilidade… Ver artigo

Milano Lopes, de Brasília
Em um contundente relatório de 218 páginas, o Grupo de Trabalho criado no âmbito da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, traçou um perfil inquietante da situação da política de segurança nuclear no Brasil, afirmando que mais de mil fontes radioativas estão fora de controle no Brasil, indicando a possibilidade de, a qualquer momento, ocorrer um novo acidente como o de Goiânia, em 1987. As denúncias afirmam que a área nuclear é ?caixa preta?; a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN – fez emissões irregulares de autorizações para Angra II e usina de urânio; estão em completo abandono os radioacidentados de Goiânia; só o Irã e o Paquistão têm estrutura regulatória igual à do Brasil; a redução em 10km do raio de exclusão de Angra indicaria falta de condições de evacuação em caso de acidente nuclear. E mais: a questão dos rejeitos nucleares é tratada de forma improvisada.



Fotos: Relatório GT


Ano de 1987 – O acidente teve início  quando uma clínica abandonou a bomba de Césio-137 no lixão. Na foto, os trabalhadores posam sem a proteção adequada. Em segundo plano, operador da máquina junta o lixo do Césio nos escombros da casa da rua 57


 


Ao lado: reunião do Grupo de Trabalho (deputados Edson Duarte e Luciano Zica) com o especialista em radioproteção Éden Ruga, da Defesa Civil

  Audiência pública realizada em Angra dos Reis no dia 7 de novembro de 2005. Na mesa de audiência, da esquerda para direita, Rogério Gomes (AFEN), Yukio Ogawa (Eletronuclear), Mário Márcio (representando o prefeito do município de Angra dos Reis), Deputado Federal Paulo Baltazar (Coordenador do Grupo de Trabalho), Deputado Federal Edson Duarte (Relator do Grupo de Trabalho), Ivan Neves (SAPÊ) e Vereador Odir Plácido

O relatório acusa a CNEN de ser ?fiscal de si mesma?, não conhecer o limite de suas atribuições e não passar credibilidade à população. Faz ainda uma série de sugestões, destacando-se a criação de um órgão regulador ?autônomo e independente? na área de salvaguardas, radioproteção e segurança nuclear, com a segregação das atividades de fomento, pesquisa, produção e desenvolvimento das de regulação e fiscalização.
O Grupo de Trabalho foi criado em abril de 2004 e trabalhou durante dois anos para elaborar seu diagnóstico, a partir de mais de 30 horas de entrevistas gravadas, a realização de diversas audiências públicas e a coleta de informações locais em Goiânia, Rio, São Paulo, Caetité, Angra dos Reis e Resende. O GT foi constituído pelos deputados Fernando Gabeira (PV-RJ), Luciano Zica (PT-SP), Sarney Filho (PV-MA) e Edson Duarte (PV-BA) que atuou como relator.


10 Projetos de reformulação
O Grupo apresentou dez projetos de lei reformulando totalmente a política de fiscalização e segurança nuclear:


01) Criação de órgão regulador, autônomo e independente na área de salvaguardas, radioproteção e segurança nuclear;
02) Criação de um arcabouço legal para a atividade reguladora nuclear;
03) Uma lei sobre informação nuclear;
04) Uma lei de controle das fontes radioativas;
05) Um projeto de regulamentação da Convenção 115 da Organização Internacional do Trabalho;
06) Projeto autorizando a União a conceder indenização por danos nucleares aos antigos trabalhadores da usina de Santo Amaro;
07) Projeto definindo responsabilidade civil por danos radioativos por acidente radiológico;
08) Projeto autorizando a União a proceder o reconhecimento e conceder indenização às vítimas do acidente radiológico de Goiânia;
09) Projeto extinguindo a pena de reclusão para quem se manifesta contra atividades nucleares e,
10) Projeto de lei estabelecendo que cabe ao Poder Público o monitoramento da saúde da população de áreas com atividades nucleares.


A CNEN sob fogo cruzado


A página 148 do Relatório do GT mostra que existem mil fontes fora de controle. O Relatório tem 218 páginas.


O Relatório diz que a atual estrutura da CNEN, órgão regulador e fiscalizador das atividades nucleares no País ?não obedece, em termos de independência de órgão regulador, a várias convenções internacionais e códigos de conduta no âmbito da Agência Internacional de Energia Atômica, das quais o Brasil é signatário.?
São citadas a Convenção Internacional de Segurança Nuclear, a Convenção Comum sobre Segurança do Combustível Usado e sobre a Segurança dos Rejeitos Radioativos e o Código de Conduta sobre Segurança e Fontes Radioativas.
A atuação da CNEN ?é questionável?, diz o Relatório, indicando que foi identificada ?a emissão irregular de autorizações para a Usina Nuclear de Angra II e para a unidade de mineração e beneficiamento de urânio de Caetité na Bahia.?
No caso destas duas instalações nucleares, o GT observou que a CNEN  não obedeceu às normas por ela própria elaboradas, permitindo que estas instalações continuem a operar por mais cinco anos, com autorizações referentes apenas às fases de testes, ou seja, uma Autorização para Operação Inicial.


?A questão dos rejeitos nucleares é tratada de forma provisória, improvisada.? O único depósito definitivo é o existente em Abadia de Goiás, que guarda o rejeito produzido no acidente de Goiânia em 1987


Regulação e fiscalização


Para o GT, o arcabouço legal das atividades de regulação e fiscalização da área nuclear é praticamente inexistente, não apresentando um instrumental mínimo para a formalização de uma atividade de fiscalização eficiente e capaz de assegurar o devido controle sobre o setor, que é altamente sensível. ?O órgão regulador da área nuclear não sabe qual é o limite de suas atribuições – diz o GT – o que vem gerando conflito de competência com a Anvisa, Ibama e até mesmo com a fiscalização do Ministério do Trabalho.?
O documento diz que ?a questão dos rejeitos nucleares é tratada de forma provisória, improvisada.? O único depósito definitivo é o existente em Abadia de Goiás, que guarda o rejeito produzido no acidente de Goiânia em 1987. ?Existem no País outros oito depósitos de rejeitos radioativos sem licenciamento, armazenando cerca de 20 mil toneladas, principalmente de Torta II? afirma o Relatório, que defende uma ?imediata definição de um depósito definitivo para os rejeitos radioativos de média atividade, que é composto pelos elementos combustíveis usados nas usinas nucleares de Angra dos Reis.?
Para o GT, ?o Governo ainda trata a área nuclear com a visão miliciana de soberania e defesa nacional, onde tudo é sigiloso, quando poderia, ao contrário, adotar uma postura mais democrática e moderna, voltada para a segurança da população e do meio ambiente.?


Acidentes nucleares
Com relação ao Plano de Emergência de Acidentes Nucleares, de 1995, lembra o Relatório que, ?através de uma decisão polêmica? foi reduzido o raio de exclusão ao redor das usinas de Angra, de 15 para cinco quilômetros. ?Tal procedimento é completamente contrário ao encontrado em vários países do mundo, que mantêm, em caso de acidentes nucleares, a evacuação imediata da população dentro de um raio de 15 quilômetros ao redor das usinas.?
Para os deputados, essa ?é uma questão importantíssima e tem que vir à tona com o máximo de clareza, em função de existir a suspeição de que o radio de exclusão foi reduzido por não haver condições de evacuação, em caso de acidente, dos moradores da área urbana do município de Angra dos Reis, que seria abrangida pelo raio de 15 quilômetros ao redor das usinas.?
Em relação ao Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro – SIPRON – criada ainda no tempo da ditadura militar, observa o documento que ele apresenta um vício de origem ?que é possível observar até no nome.? Ele foi criado originalmente para proteger o Programa Nuclear Brasileiro ?e não proteger a população dos efeitos nocivos de acidentes com instalações do Programa Nuclear.? Para o GT, a proposta do Governo, em tramitação no Congresso, ?é genérica, desnecessária e sacramenta a ?cultura do segredo? criada na ditadura militar.?


Fontes sem controle
Para o Grupo de Trabalho, cerca de mil fontes radioativas estão sem controle no Brasil. Apesar de algumas ações de controle terem sido implementadas, adverte o Relatório que o banco de dados mantido pela CNEN ainda não tem um nível de confiabilidade adequado de suas informações, assim como ainda faltam instrumentos de ação coercitiva para tornar obrigatório o cadastramento das fontes.
O GT refere-se ao ?completo abandono? a que estão relegados os radioacidentados de Goiânia, e destaca a Nota Técnica do Ministério da Saúde, informando que foi ultrapassado o tempo de latência para casos de câncer, ?e que agora deve ser esperado um crescimento progressivo da taxa de incidência desta doença na população atingida.?
No caso de São Paulo, o GT denuncia que decorridos dez anos da contaminação dos trabalhadores da Nuclemon, atual Indústrias Nucleares do Brasil,  estatal pertencente à CNEN, nenhum tipo de assistência foi concedida aos radioacidentados.
A INB se nega a prestar assistência por entender que, uma vez demitidos, cessou sua responsabilidade por seus empregados, contrariamente ao que dispõe o art. 12 da Convenção 115 da Organização Internacional do Trabalho, que praticamente 40 anos depois de assinada, até agora não teve esse artigo regulamentado pelo Governo. Em razão disso, o GT propôs um projeto de lei que regulamenta o citado dispositivo.


GT faz outras sugestões


Além da apresentação dos dez projetos de lei, o GT fez uma série de sugestões:
 Elaboração de uma campanha governamental para recolhimento dos pára-raios radioativos com a conscientização da população para apoiar a campanha.
 Sugeriu também modificar a regulamentação do SIPRON, de forma a dar-lhe a competência para atuar diretamente em ocorrências com fontes radioativas.
 Sugere também redefinir o raio de exclusão de cinco para 15km, no âmbito do Plano de Emergência de Acidentes Nucleares, visando conferir maior segurança à população limítrofe, em caso de acidente nas usinas nucleares de Angra dos Reis.
 O GT promete atuar junto ao Governo Federal para o estudo da duplicação da BR-101 – a rodovia Rio Santos – , assim como a ampliação do aeroporto de Angra dos Reis, com o objetivo de criar uma malha de infra-estrutura que permita uma efetiva evacuação da população em caso de acidentes nas usinas nucleares de Angra dos Reis.
 Propõe, também, levar o Governo Federal para que este assuma a responsabilidade de prestar adequadamente o acompanhamento e tratamento médico, psicológico e odontológico das vítimas do acidente de Goiânia.
 O GT decidiu também solicitar ao TCU a realização de auditoria no Programa Nuclear Brasileiro no que se refere à fiscalização e segurança, bem como os demais aspectos relativos ao assunto, e acompanhar, no âmbito da Comissão do Meio Ambiente, a implementação das propostas feitas.