LIBÉLULAS

Os insetos especialistas na arte de voar

25 de agosto de 2006

Fotos: Werner Piper Quem é Sônia Rigueira SÔNIA RIGUEIRA – ENTREVISTA Mineira de Belo Horizonte, Sônia Rigueira é bióloga e Mestre em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais. Sua vasta experiência vem de um longo trabalho dedicado às questões ambientais como vice-presidente da UICN-União Internacional para a Conservação… Ver artigo

Fotos: Werner Piper

Quem é Sônia Rigueira

SÔNIA RIGUEIRA – ENTREVISTA

Mineira de Belo Horizonte, Sônia Rigueira é bióloga e Mestre em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais. Sua vasta experiência vem de um longo trabalho dedicado às questões ambientais como vice-presidente da UICN-União Internacional para a Conservação da Natureza e a várias outras  instituições como o IEF-MG, o WWF-US e a Conservation International. Em 1998, juntamente com outros profissionais, fundou o Instituto Terra Brasilis. Desde, então, se dedica com exclusividade ao trabalho e projetos dessa ONG que tem sede em Belo Horizonte e desenvolve pesquisas na serra de São José, na serra da Canastra e na serra do Espinhaço.

Folha do Meio – Minas criou duas unidades de conservação que é a APA da serra de São José e o Refúgio Estadual de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José. Primeiro vamos falar da serra de São José…
Sônia Rigueir
a – A serra de São José está situada na bacia de drenagem do rio das Mortes em terras dos municípios de São João Del Rei, Tiradentes, Santa Cruz de Minas, Prados e Coronel Xavier Chaves. A serra é belíssima e tem um relevo bastante acidentado, afloramentos de arenito quartzítico entremeados pela vegetação nativa. A altitude varia entre 900m e 1.430m.

FMA – Por ali passa a Estrada Real. Qual a história da ocupação desta área?
Sônia
– A história de ocupação desta região data do Brasil Colonial. Início do século XVIII. Em 1702, com a descoberta de veios de ouro junto a serra de São José, começaram a nascer os primeiros arraiais na região. Os  vestígios da atividade mineradora  ainda podem ser facilmente encontrados. Na região há um acervo histórico-cultural de altíssimo valor e importância. Igrejas, casario colonial, chafarizes, aqueduto, remanescentes da estrada real, fazendas antigas e ruínas de mundéus são também testemunhos da antiga ocupação. Mas o importante, mesmo, o que faz a região da serra de São José única é que existe uma associação muito forte com o valiosíssimo patrimônio natural.

FMA – Então explica melhor para gente…
Sônia –
A região tem uma importância inigualável porque a serra encontra-se localizada numa zona de contato entre os domínios da Floresta Atlântica (floresta estacional semidecidual montana) e do Cerrado. Existem aí três ambientes distintos marcadamente importantes: a mata atlântica, o campo rupestre e o cerrado.
Em toda sua face sul, ao longo dos contrafortes da serra de São José, estende-se a mata atlântica, um dos maiores fragmentos remanescentes desta tipologia florestal em toda a região. Na serra propriamente dita, ou na porção de maior altitude, está o campo rupestre, separando os ambientes de Mata Atlântica e Cerrado. Descendo das áreas de maior altitude, formando verdadeiros corredores, temos as matas de galeria que nos levam até as porções mais baixas da face norte, onde está o Cerrado.

FMA – E o que torna a serra de São José um local tão especial?
Sônia
– Justamente a grande variedade de ambientes num espaço de área tão pequena. Em apenas um milésimo da área do Estado, a região da serra de São José guarda uma mostra bastante significativa da biodiversidade brasileira. É considerada como uma das áreas prioritárias para a sua conservação. Essa riqueza e diversidade na vegetação são certamente refletidas na fauna. Temos representados ali, por exemplo, 55,5% das libélulas encontradas em toda Minas Gerais, ou seja, 120 espécies. Aí estão também presentes cerca de 80 espécies de orquídeas, 32 espécies de anfíbios anuros, 242 espécies de aves, e pelo menos 9 espécies de mamíferos que ocorrem na área estão ameaçados de extinção. Tudo isso sem falar na beleza cênica que tem atraído turistas do mundo inteiro.

A bacia do rio das Mortes, ao pé da Serra São José, faz parte do Refúgio de Vida Silvestre Libélulas, onde está representado 55,5% das libélulas encontradas em Minas Gerais

O refúgio das libélulas

FMA – E o Refúgio de Vida Silvestre Libélulas?
Sônia
– Pois é, as libélulas são parte da outra riqueza da serra de São José. Como eu disse, temos ali representados 55,5% das libélulas encontradas no nosso Estado. Isso corresponde a quase 20% das espécies de libélulas encontradas em todo o Brasil! Estamos falando de um lugar relativamente pequeno e muito especial.
Por tudo isso, para preservar esse patrimônio natural, é que o governo de Minas criou  o Refúgio Estadual de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José, que tem apenas uns 3.700 hectares. Vale lembrar que uma das espécies de libélula recém descobertas pelos cientistas ocorre exatamente no córrego do Chafariz, que desde o ano de 1749 fornece água para Tiradentes. Por causa do fornecimento da água aos habitantes, o córrego e sua mata circundante foram mais protegidos que os demais, que sofreram muito com o garimpo durante o Ciclo do Ouro.

FMA – Existe algum trabalho específico para proteção das libélulas ou simplesmente basta preservar seu habitat?
Sônia
– A nossa principal contribuição é preservar os ambientes aquáticos, como córregos, rios e lagoas naturais. As libélulas são consideradas bons indicadores de qualidade ambiental, o que significa que várias espécies são sensíveis a alterações como represamento de rios, aporte de poluentes, como esgotos domésticos e industriais, assoreamento e desmate das matas galeria, por exemplo. Em alguns casos podemos contribuir com a criação de  pequenos ambientes que serão utilizados pelas libélulas, como uma forma de enriquecimento ambiental. Isso pode ser feito em projetos de recuperação de áreas degradadas, por exemplo. Na Europa e no Japão, é comum as pessoas fazerem pequenas lagoas para as libélulas, simplesmente pelo prazer de ter esses insetos por perto.

 

FMA – Como no caso do turismo de observação de aves, também existem grupos interessados na observação de libélulas?

Sônia – Vem aumentando o número de estudos científicos, principalmente pelo fato das libélulas serem importantes indicadores da qualidade ambiental.
O brasileiro, em geral, não tem relação cultural em relação às libélulas. No entanto, em países asiáticos, especialmente no Japão, as libélulas têm uma inserção cultural muito forte.
Apenas a título de ilustração, no Japão hoje existem pelo menos 23 unidades de conservação criadas especificamente para a proteção de libélulas.

FMA – O turismo já é uma realidade na região?
Sônia
 – Sim, já é uma realidade, por ser tão rico e especial. O turismo é a vocação da região de inserção da serra de São José. O turismo, ou uso público, quando bem planejado, torna-se uma ferramenta importante para as áreas protegidas. Assim, dando início ao processo de implantação das duas unidades de conservação aí presentes, o Instituto Terra Brasilis, que possui uma longa história de trabalho na região, está desenvolvendo, em parceria com o Instituto Estadual de Florestas, um grande projeto visando a implementação de infraestrutura de apoio ao uso público.
Em breve poderemos visitar a região da serra de São José contendo infraestruturas adequadas para receber e informar as pessoas, na forma de núcleos de informação, visitação e apoio à fiscalização, trilhas estruturadas, folhetos e cartilhas educativas. Tudo isso faz parte deste projeto inicial em fase de implementação.

FMA – Fale de seu trabalho no Terra Brasilis e dos projetos mais recentes?
Sônia –
 O objetivo institucional do Instituto Terra Brasilis é promover a conservação dos ecossistemas e o uso sustentado e racional dos recursos naturais, conciliados com o desenvolvimento econômico-social equitativo.
Nosso trabalho é organizado em cinco linhas de atuação: conservação da biodiversidade, áreas protegidas, educação ambiental, uso sustentado de recursos naturais e planejamento e políticas públicas.
O Instituto Terra Brasilis possui hoje diversas linhas de trabalho e atua na região da Serra da Canastra, Serra de São José e na Serra do Espinhaço.

Summary

Dragon Flies
Insect specialist in the art of flying

Nature is a complex balance of forces, interests and visibility. In the midst of this complex struggle to survive and achieve balance, man reigns. He is the one endowed with rational thought and the fantastic power to intervene, enabled to wreak travel interference in the state of the environment, choosing what appears to be good or bad to maintain his supremacy. For example, when researchers publish a list of flora or fauna threatened by extinction, not everyone takes into account the smallest animals or unknown plants vitally important to preserve the balance of life on Earth. This just goes to show that importance is not always based on size or visibility. Thus, there are many insects, such as bees and butterflies which are essential to the reproduction of vegetable species through the miracle of pollination and which are also threatened with extinction. The dragon flies are not part of the pollination process but are rather predator insects and are not in search of pollen or nectar offered by the flowers. Nevertheless, they are also threatened, despite their importance in sustaining the ecological balance. This genetic erosion has gone unnoticed by many people. According to biologists, Brazil has roughly 680 species of dragon flies out of the approximately 5,000 in existence in the world. One Brazilian species is already regarded as extinct.  However, there are efforts to create, in the state of Minas Gerais, in the São José mountain range, along side the town of Tiradentes, two conservation units: The São José Environmental Protection Area and the Dragon Fly State Wildlife Refuge of the Serra de São José.  This is the theme of our conversation with biologist, Sonia Rigueira, President of the Terra Brasilis Institute who also works in the regions of the Serra da Canastra and the Serra do Espinhaço.

SÔNIA RIGUEIRA – INTERVIEW

Who is she  – Sônia Rigueira is a biologist and holds a Masters Degree in Ecology, Conservation and Management of Wild Life from the Universidade Federal de Minas Gerais. Her vast experience is based on her many years devoted to working on environmental issues and she has been involved in entities such as the UICN-International Union for the Conservation of Nature, where she was the vice president, as well as  a number of other institutions such as the IEF-MG, the WWF-US and Conservation International. In 1998, working jointly with other professionals, she founded theTerra Brasilis Institute.  Since then she has been dedicated exclusively to working with this NGO, which is headquartered in Belo Horizonte, as well as developing research in other regions of the state of Minas Gerais. 

SERRA – The São José Serra, or mountain range, is located at the Mortes River mouth basis in the land included in the municipalities of São João Del Rei, Tiradentes, Santa Cruz de Minas, Prados and Coronel Xavier Chaves.  The Serra is breathtaking, the terrain is very rough and there are outcroppings of quartzite sandstone, veined with native vegetation. The altitude ranges from 900m to 1,430m.

HISTORY – Occupation of this region dates back to the Brazilian Colonial period, beginning in the 18th century. In 1702, when the veins of gold ore were discovered in the Serra de São José, the first villages in the region began to appear. The remains of mining sites can still be readily found. There are also extremely important historical and cultural heritage landmarks located within the region. Churches, colonial mansions, fountains, aqueducts, remainders of the royal highway, old farms and outbuilding ruins are also witnesses to the former occupants. Most importantly and what makes the region of the Serra de São José unique is its very strong link to the highly inestimable natural heritage. 

VARIETY OF ENVIRONMENTS – The São José range harbors within only one thousandth of the State area, a highly significant sample of Brazilian biodiversity. It is regarded as one of the priority conservation areas. This wealth and diversity of plant life is certainly reflected in the wildlife. We can see there for example, 55.5% of dragon flies found throughout the state of Minas Gerais, i.e., 120 species. There are also nearly 80 species of orchids, 34 types of tailless amphibians, 242 species of birds and at least nine species of mammals which live in the area are threatened with extinction, not to mention the scenic panorama that attracts tourists the world over.

DRAGON FLIES – Dragon flies are part of the other riches that the São José Serra offers. As mentioned, there are 55.5% of the dragon flies found in our state there and nearly 20% of the species found within Brazil! In order to preserve this natural heritage, the Minas Gerais state government has created the Serra de São José State Dragon Fly Wildlife Refuge encompassing close to 3,700 hectares.
 
ENVIRONMENTAL QUALITY – Dragon flies are regarded as good indicators of the quality of the environment, meaning that several species are sensitive to changes such as damming rivers, water borne pollutants, such as household and industrial sewage, river silt accumulation and deforestation of the wooded areas. In Europe and in Japan, people commonly dig small lakes to attract dragon flies, simply for the pleasure of having these fantastic insects nearby. In Japan today there are at least 23 conservation units that have been created specifically for the protection of the dragon fly species.

Instituto Terra Brasilis – The institutional purpose of the Instituto Terra Brasilis is to promote and preserve the ecosystems and the sustained and rational use of the natural resources in line with equitable economic and social development. Our work is organized along five lines of engagement: preservation of the biodiversity, protected areas, environmental education, sustained use of natural resources and public planning and policies. The Instituto Terra Brasilis today conducts ongoing work projects in the regions of the Serra da Canastra, Serra de São José and Serra do Espinhaço.

Coryphaeshna perrensi

 

Oxyagrion basale

 

 

Erythrodyplax latimaculata

    

 

Telebasis carmesina

 

 

Erythemis plebeja

 

 

Castoraeshna sp

 

 

   

 

 

Curiosidades sobre as Libélulas

Nome comum: Libélula
Nomes populares: lavadeira, canzil, cavalinho do diabo, pito.
Origem do nome: O nome está ligado ao latim, porque a libélula se parece com um livro aberto. Em latim, libellulus é o diminutivo de livro (liber).

–  Seus dois pares de asas funcionam separadamente. Quando precisa voar devagar, o primeiro par bate um pouco antes do segundo. Quando quer voar rápido ou planar, os dois pares de asas batem em uníssono.

–  Planar é uma capacidade exclusiva das libélulas, justamente pelo aparelhamento biológico de suas asas. Isso não acontece com os outros insetos.

–  Por causa  das asas, as libélulas são classificadas em dois grandes grupos: os anisópteros e os zigópteros. O primeiro grupo é da libélula propriamente dita: tem o segundo par de asas mais estreito do que o primeiro. Já os zigópteros apresentam dois pares de asas do mesmo tamanho. Uma curiosidade: o nome para as Anisoptera nos EUA é "dragonfly" (dragão voador), pois algumas espécies são tão exóticas que parecem ser um pequeno dragão voador. Os Zygoptera são chamados por lá de "damselflies" (dançarinas), pelo seu porte delicado e graça dos seus movimentos. 

–  Uma abelha vibra suas asas 4 vezes por segundo. Outros insetos conseguem bater até 8 vezes as asas por segundo. Já a libélula consegue a incrível marca de bater suas asas até 50 vezes por segundo.

? Foi esse perfeito controle das asas que levou os franceses a chamarem a libélula de "demoiselle" (senhorita). E foi o nome que inspirou Santos Dumont a colocar no seu modelo de avião mais bem sucedido: Demoiselle.

–  Os olhos da libélula são os maiores, proporcionalmente, no reino animal. Os olhos dela funcionam como verdadeiro radar para identificar presas, predadores ou até uma parceira ou rival.

–  O tempo de  vida de uma libélula é muito curto: média de dois meses. Tempo que justifica sua irrequieta vida voando, planando, subindo e descendo. Dois meses é o tempo entre sua última metamorfose para se transformar libélula e sua morte. E ainda tem que acasalar para perpetuar a espécie.

–  A libélula é uma ótima caçadora, capaz de comer até 14% de seu peso. Ela se alimenta de outros insetos voadores.

–  As libélulas podem ser muito úteis, pois comem mosquitos e pernilongos que, eventualmente, transmitem dengue e malária.  Ainda, existem muitas espécies de  libélulas que são verdadeiros termômetros ambientais. Elas não vivem onde há poluição. Tem  até o teste libélula: ?se tem libélula, a água é limpa?.  À menor alteração físico-química da água ou nas margens dos corpos d?água, além de impedir sua reprodução expulsa libélulas do local.

 

As 15 metamorfoses

Castoraeshna januaria larva

Quem conta com muita competência a metamorfose das libélulas é o biólogo marinho Marcelo Szpilman, diretor do Instituto Ecológico Aqualung.
Segundo Szpilman, as libélulas são larvas que se transformam em avião: duas a três semanas depois de postos os ovos, surgem as larvas das libélulas. Começa então um longo ciclo de vida aquática, que, em algumas espécies, pode durar até cinco anos. Em sua existência submersa, a larva se alimentará de microcrustáceos, filhotes de peixes e outras larvas. Ela atua como ápice de uma importante cadeia alimentar dos ambientes aquáticos dos rios e lagos.
Vai passar por até 15 sucessivas metamorfoses até se transformar em uma naiade, que já se assemelha ao inseto adulto porém se movimenta no meio aquático através de jatos de água que saem pelo reto, como um sifão. Em um dado momento, atendendo aos chamados de um relógio biológico, cujo mecanismo permanece inexplicado, a naiade faz a transição do meio aquático para o terrestre onde fará sua última metamorfose.
A escalada do trampolim para o novo mundo é feita geralmente à noite, para escapar dos predadores. Subindo pela haste de alguma planta, a larva para de se alimentar e se mantém várias horas imóvel se preparando para a mudança.
A libélula rompe seu último exoesqueleto pelo dorso, liberando primeiro a cabeça e o tórax e depois o abdômen (o processo leva de 30 a 40 minutos). Suas asas, úmidas, precisarão de duas a três horas para se solidificarem em contato com o ar, quando a libélula estará, então, aparelhada e pronta para decolar.

Orthemis discolor