Depoimento sobre o desmatamento em Serra Vermelha

Serra Vermelha: manejo florestal ou desmatamento?

18 de junho de 2007

O Projeto Energia Verde é o maior plano de manejo florestal no Bioma da Caatinga, onde não existe legislação específica para a prática desse negócio nem projetos modelos para serem estudados. Para Eugênia Medeiros, analista ambiental do Ibama, a escala do projeto Energia Verde é preocupante e não oferece dados técnicos indicativos de que o… Ver artigo

O Projeto Energia Verde é o maior plano de manejo florestal no Bioma da Caatinga, onde não existe legislação específica para a prática desse negócio nem projetos modelos para serem estudados. Para Eugênia Medeiros, analista ambiental do Ibama, a escala do projeto Energia Verde é preocupante e não oferece dados técnicos indicativos de que o manejo florestal garanta a rebrota qualitativa e que a diversidade das espécies estará viabilizada ao final do ciclo de corte.
 Em opinião técnica encaminhada ao procurador do Ibama, Eugênia Medeiros afirma que considerando o tamanho da área do projeto Energia Verde e sua localização, entre dois Parques Nacionais – Serra da Capivara e Serra das Confusões – e o núcleo de desertificação de Gilbués, o empreendimento necessitaria de um relatório de impacto ambiental ambiental, principalmente, devido à inexistência de estudos e pesquisas.
“Entendemos imprescindível o EIA/RIMA. É o instrumento que possibilita ao empreendedor e ao licenciador ter as informações relativas ao diagnóstico das áreas de influência do projeto, tanto para o meio físico, como para o biótico; onde são também propostas as medidas corretivas, mitigadoras ou compensatórias para os impactos ambientais”, garantiu. 


A jornalista Tânia Martins, ao contrário do que afirmou Isabela Vargas, assessora da RP Brasil Comunicação e que presta serviço a JB Carbon, esteve no local, percorreu todo o projeto acompanhada de técnicos da área ambiental e conversou com os trabalhadores do projeto.


As ligações do GEF-Caatinga


O  projeto GEF Caatinga, é um esforço do governo, PNUD e do Fundo Global para o Meio Ambiente. Seu objetivo é criar alternativas de uso sustentável no Semi-árido brasileiro, contribuindo para minimizar a emissão de gases que aumentam a massa de calor no planeta, além de manter a biodiversidade na região.
No entanto, ao contrário das diretrizes que norteiam o programa, o projeto começou a sofrer ingerência política. É o que aconteceu com o Energia Verde. O coordenador do GEF Caatinga, Francisco Campelo, se tornou um dos maiores defensores do empreendimento que planejava desmatar 78 mil hectares de floresta e certamente contribuir com o aquecimento do planeta.
Campelo, que também é funcionário do Ibama, se tornou garoto propaganda da JB Carbon. Em informe publicitário da empresa, uma foto sua foi utilizada ao lado dos dizeres: “Técnico – Francisco Campelo, representante do Ministério do Meio Ambiente que apóia o projeto”.
Descobrimos que o engenheiro florestal Ricardo Campelo, um dos responsáveis técnicos pelo Energia Verde, é irmão de Francisco Campelo, o que evidenciava seu interesse em apoiar o negócio que tem fins lucrativos.
Francisco Campelo foi afastado da coordenação do GEF Caatinga.
Em e-mail, o técnico do Ibama afirmou: “Aproveito a oportunidade para pedir desculpas por qualquer atitude, involuntária, que possa ter criado constrangimento, somos humanos e temos nossas fraquezas.” (AP)


A sequência de fornos para produção de carvão mostra bem o que acontece com a floresta existente na Serra Vermelha. No final de maio a JB Carbon solicitou a prorrogação do DOF (Documento de Origem Florestal), alegando que a empresa ainda tinha carvão para ser produzido e comercializado. A fiscalização encontrou uma série de irregularidades e multou a empresa em R$ 50 mil a título de indenização por dano moral coletivo em decorrência de abusos cometidos contra os trabalhadores.


Danos trabalhistas coletivos


Após a paralisação do empreendimento pelo Ibama,  140 trabalhadores tiveram que receber  ajuda da Procuradoria do Trabalho para ter seus direitos assegurados.
A fiscalização encontrou uma série de irregularidades e multou a empresa em R$ 50 mil a título de indenização por dano moral coletivo em decorrência de abusos cometidos contra os trabalhadores.
 A empresa teve que assinar um TAC – Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, onde se compromete a abster-se de qualquer intermediação na contratação de trabalhadores de outros locais do território nacional.
Nas duas vezes que estive no empreendimento, a maioria dos trabalhadores que entrevistei eram da Bahia.
 Um deles, Adelino Oliveira Costa, de 36 anos, do município baiano de Guanambi, distante 796km a sudoeste de Salvador, manejava uma motosserra desestimulado. “Faço porque é o jeito, mas não é mole não” disse.
 A ilusão de um bom salário não se comprova. Pela manhã o trabalhador tem determinada produtividade, e conforme o dia vai passando a insolação, o cansaço e o peso da máquina cobram seu preço. “No final do dia os braços tão fracos e a motosserra pesada demais”, lamentou Adelino.
 No final de maio a JB Carbon solicitou a prorrogação do DOF (Documento de Origem Florestal), alegando que a empresa ainda tinha carvão para ser produzido e comercializado. O projeto foi paralisado no dia 30 de janeiro, pelo menos três meses antes. 
Outro fato que aumenta as suposições que de os fornos da empresa realmente continuavam acessos, foi o fato do Ibama não ter enviado equipe a região no momento da paralisação do projeto, para que um laudo de embargo fosse produzido. (AP)


“Eles perderam a noção do bom senso. Não é preciso ser especialista para saber que ao invés do conhecimento científico, o empreendimento prefere a força financeira e política.”


Niéde Guidon


O projeto inicialmente teve apoio do GEF-Caatinga, do Pnud e do governo, afim de criar alternativas de uso sustentável na região. Mas aí começou a sofrer ingerência política. O
coordenador do GEF Caatinga, Francisco Campelo, se tornou um dos maiores defensores do empreendimento que
planejava desmatar 78 mil hectares de floresta.


Francisco Campelo, que também é funcionário do Ibama, se tornou garoto propaganda da JB Carbon. Em informe
publicitário da empresa, uma foto sua foi utilizada ao lado dos dizeres: O técnico Francisco Campelo, representante do Ministério do Meio Ambiente, apóia o projeto.


O engenheiro florestal Ricardo Campelo, um dos
responsáveis técnicos pelo Energia Verde, é irmão de
Francisco Campelo. Isto evidencia seu interesse em apoiar
um negócio que tem fins lucrativos.


André Pessoa


“”Considerando o tamanho da área do projeto
Energia Verde e sua localização, entre dois Parques Nacionais – Serra da Capivara e Serra das Confusões 
e o núcleo de desertificação de Gilbués, o
empreendimento necessitaria de um EIA-RIMA
devido à inexistência de estudos”.


Eugênia Medeiros, analista ambiental do Ibama, mostrando que a escala do projeto Energia Verde é preocupante.


Sonhos e altos lucros


Em 2004, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Piauí, através do secretário Dalton Macambira, aprovou projeto que permitia a João Batista Fernandes desmatar 39 mil hectares para plantação de grãos na Serra Vermelha. Com a autorização de desmate em mãos, o empresário foi a Minas Gerais, onde acontecia um encontro de siderúrgicas, para oferecer o carvão que seria produzido da floresta a ser desmatada.
 Nesse encontro o empresário conheceu Tasso Azevedo, então diretor de florestas do MMA, que sugeriu modificar o empreendimento para manejo florestal, o que permitiria ganhos econômicos superiores com menor impacto ambiental.  Dos 39 mil hectares aprovados, a empresa partiu para um projeto de 78 mil hectares, dentro de uma área de 114 mil hectares.
Desse total, pelo menos 40 mil hectares, o Interpi (Instituto de Terras do Piauí), afirma que tem alta probabilidade de serem terras griladas.
 “A área, na origem, terra devoluta e por disposição legal, de propriedade do Estado do Piauí, se encontra ocupada por particulares que se intitulam proprietários, com base em escrituras públicas e títulos, que se suspeita originados ilegalmente, portanto, sem eficácia, porque já nasceram nulos e o ato nulo não gera direito”, afirmaram o procurador do Interpi, Raimundo  Freitas e o procurador geral do Estado, Plínio Filho.


Diversidade biológica fora das prioridades


Para a geógrafa da Universidade Federal do Piauí, Gisele Felice, muitos são os questionamentos sobre a área em que vem sendo implantado o projeto Energia Verde. “De que ambiente estamos tratando – um bioma de caatinga, ou um ecótono entre caatinga e cerrado? Ou seria um enclave de uma formação vegetal relictual? Qual a idade dessa formação vegetal? Qual o patrimônio ambiental que ela abriga em termos de fauna e flora?”, questionou a pesquisadora que tem doutorado em arqueologia.
 No Plano de Manejo Florestal Integrado Sustentável do Projeto Energia Verde, apresentado pela empresa JB Carbon S/A e aprovado pelo Ibama do Piauí, não existe resposta para nenhuma destas questões.
 Outra deficiência do projeto diz
respeito à fauna, que é tratada no Plano de Manejo em apenas uma página.
Não existiu um eficiente trabalho de campo, coleta de animais nem descrição das espécies.
Ao contrário, o documento fala apenas das singularidades caatinga e aplica um quadro com as espécies mais comuns na região. (AP)


Carlos Moura Fé: fragilidade dos estudos


Num relatório de vistoria do projeto, assinado por três funcionários do Ibama, entre eles o engenheiro agrônomo Carlos Moura Fé, confirma a fragilidade dos estudos. “Em relação à fauna, o inventário é incompleto e não foi apresentado um programa de controle, resgate e monitoramento”, diz o documento.
 Um exemplo pode ser dado pela ocorrência do lagarto (Hoplocercus spinosus), conhecido como pitoco, de grande importância científica e ainda desconhecido da população. Apesar de inofensivo, os trabalhadores do projeto matam esses animais porque acreditam que são venenosos.
 Edson Santos, de 21 anos, que veio da Bahia para trabalhar no projeto, tinha acabado de matar um desses bichos quando chegamos ao trecho em que ele trabalhava. “Nunca tinha visto isso. Falaram que era pior que cascavel. Eu estava matando todos que encontrava”, explicou o funcionário que não recebeu nenhuma informação sobre o ambiente de trabalho.
 Para o cientista Hussam Zaher, do Museu de Zoologia da USP (Universidade de São Paulo), a região da Serra Vermelha nunca foi estudada por equipes de pesquisa.
O zoólogo afirmou que as características singulares da área prometem descobertas significativas. “Já confirmamos a presença de Mesoclemmys perplexa, uma tartaruga endêmica dessa região”, disse o pesquisador. (AP)


Educação ambiental só no papel


A coordenadora do Núcleo de Educação Ambiental da gerência regional do Ibama no Piauí, Ana Lustosa, afirmou em despacho oficial sobre o projeto Energia Verde que o programa de educação ambiental su-gerido pela empresa necessita de uma reformulação, pois o que foi apresentado ao órgão ambiental foi apenas uma mera exposição.
“Os projetos devem caracterizar um conjunto de ações contínuas, de caráter educativo, social, cultural, científico e tecnológico, visando determinados objetivos num período pré-estabelecido”, escreveu Ana Lustosa. Disse ainda que “essas medidas são necessárias já que o empreendimento tem grande capacidade de provocar modificações no ambiente pela perda da biodiversidade e alterações cênico-paisagísticas, incluindo efeitos nocivos sobre a saúde, e aspectos sociais e econômicos da região.”
No que se refere ao Programa de Combate a Incêndios que a empresa JB Carbon S/A diz ter implementado na região da Serra Vermelha e a assessora de comunicação da empresa, Isabela Vargas, divulga como uma grande vantagem do empreendimento, um parecer do coordenador do Programa Prevfogo do Ibama do Piauí, Francisco Medeiros, datado de 14 de março de 2007, coloca toda argumentação da empresa, literalmente, por água abaixo.
 “Sugerimos que seja elaborado um plano minucioso que contemple as atividades referidas, com cronograma de aplicação, materiais, equipamentos, viaturas, pessoal disponível, dentre outros.”, determinou Medeiros, reprovando o projeto apresentado e citando uma série de fragilidades e incorreções, inclusive a falta de uma estratégia que minimizem o risco de incêndios e seus impactos. Dessa forma, soa contraditório, irresponsável e desabonador a empresa divulgar que a biodiversidade é respeitada e que no moderno plano de manejo, foram incorporados programas de Educação Ambiental, de prevenção e combate a incêndios e de monitoramento da fauna.
 Beirando o absurdo, a empresa divulga: “Tais medidas são similares às adotadas nos melhores parques e reservas naturais em todo o mundo.”
Para a cientista Niéde Guidon, a hipocrisia dos idealizadores e defensores do projeto Energia Verde é vergonhosa. “Eles perderam a noção do bom senso. Não é preciso ser especialista para saber que ao invés do conhecimento científico, o empreendimento prefere a força financeira e política.”


(André Pessoa)