Transposição do São Francisco

A Responsabilidade histórica sobre um projeto duvidoso

28 de fevereiro de 2008

Para tirar as dúvidas Enumero aqui os 10 pontos duvidosos que precisam ser considerados, antes que se cometa a irresponsabilidade de um erro histórico pelo qual os brasileiros vão pagar muito caro:1- Adensamento – O projeto incentiva o adensamento humano em uma região árida, inóspita. Isso acarretaria a necessidade de mais água no futuro.2 –… Ver artigo

Para tirar as dúvidas


Enumero aqui os 10 pontos duvidosos que precisam ser considerados, antes que se cometa a irresponsabilidade de um erro histórico pelo qual os brasileiros vão pagar muito caro:
1- Adensamento – O projeto incentiva o adensamento humano em uma região árida, inóspita. Isso acarretaria a necessidade de mais água no futuro.
2 – Custo da obra- O custo inicial estimado de R$ 4,5 bi pode alcançar US$ 10 bi em 15 anos. Importante: tudo isto com recursos próprios, porque o atual governo não conseguiria financiamento externo, pois os organismos internacionais já se posicionaram contra o projeto.
3 – Gestão eficiente –  Especialistas afirmam ser possível aumentar a oferta de água local apenas com a interligação mais eficiente dos açudes existentes, coleta e armazenamento de água de chuva, e perfuração de poços artesianos. Se não há água para as épocas de seca mais severa, confirma-se que a capacidade suporte do ambiente está esgotada ou próxima de seu limite.
4 – Consumo de energia – A necessidade de elevação da água por meio de potentes bombas (160m de altura no Eixo Norte e de cerca de 300m no Eixo Leste) consumirá porção relevante da energia produzida na região.
5 – Real volume de água – Existem dúvidas sobre o real volume a ser bombeado: será retirado um volume constante de 26 m3/s, que passará a 127 m3/s, caso a barragem de Sobradinho alcance seu nível máximo e houver vertimento.
6 – Dança de números de vazões – Uma pergunta: ou há uma superestimação do equipamento, que usaria apenas a quinta parte de sua capacidade, ou não há garantias não seriam utilizados os 127 m3/s da capacidade total? Existe uma verdadeira “dança dos números” em relação às vazões. Para os leigos, fica apenas a confusão!
7 – Limite de outorgas – Recente documento da ANA diz que, até 2005, o somatório das outorgas concedidas para captação na bacia alcançava 635,7 m³/s, ou seja, já se ultrapassou o limite de 360 m³/s de vazão máxima alocável/outorgável.
8 -Destina da água –  Apesar de o governo afirmar que o projeto visa exclusivamente o abastecimento humano, sabe-se que também interessa às fazendas de camarões e de criação de tilápias, e aos grupos produtores de frutas irrigadas, além de empreiteiras e fornecedores de materiais para a obra .
9 – Risco de favelização – Mesmo desconsiderando tudo o que foi dito, os 720km de canais a céu aberto certamente serão ocupados pela população carente. Há risco de uma favelização dos canais, trazendo junto o lixo e esgotos. A perda da qualidade da água é iminente, sem falar da evaporação.
10 – Impactos dos Peixes – Dos 44 impactos listados no RIMA, somente 11 são considerados positivos, e há muitas incertezas, como um tema negligenciado até o presente: a fauna de peixes. O grande público está alheio a essa discussão, por desinformação.


A fauna de peixes


foto: Margi Moss – Projeto Brasil das Águas


A fauna de peixes da bacia do rio São Francisco é composta potencialmente por 250 a 300 espécies. Cerca de 200 dessas já são conhecidas e formalmente descritas na literatura técnica. As bacias receptoras possuem fauna muito mais pobre, com apenas 53 espécies nativas e alto grau de endemismo (23 espécies ou 43%).
O projeto da transposição estará submetendo a fauna das bacias receptoras a outro impacto, talvez irreversível, com potencial extinção de espécies endêmicas. Com o projeto, há possibilidade de introdução de centenas de espécies em bacias onde ocorrem somente algumas dezenas. Esses peixes serão “captados” no São Francisco, através de ovos, larvas e formas jovens. Sabe-se que a segunda maior causa para extinção de espécies e perda de biodiversidade é a introdução de espécies exóticas pelas mãos do homem.
No Brasil, a introdução de espécies exóticas é crime previsto em lei. Dessa forma, o projeto estará submetendo a fauna das bacias receptoras a outro impacto, talvez irreversível, com potencial extinção de espécies endêmicas.
Os estudos realizados prevêem alguma forma de controle dos peixes que passariam pelas bombas, mas o sistema não está definido. Filtração, controle com espécies carnívoras nos canais, barreiras elétricas, etc.
A filtração de grandes volumes de água é extremamente dispendiosa. Uma barreira elétrica pode matar peixes, mas seria desgastante para o governo assumir que pratica tal ação. Pior ainda, é retirar do São Francisco, cuja produção pesqueira está em colapso, ovos, larvas, alevinos e jovens que poderiam se tornar adultos.
Há a possibilidade de uma outra transposição vir a compensar o rio São Francisco, no futuro, pelas águas que lhe serão subtraídas: a transposição do Tocantins. Pelos mesmos motivos, seria outra tragédia ambiental de maiores proporções. Tenho o dever de  trazer esse assunto à tona para a avaliação de viabilidade da transposição. A bacia do Tocantins-Araguaia é mais rica que a do São Francisco. Nesse caso estamos falando na introdução de 400 a 500 espécies de peixes numa bacia que possui entre 250 e 300. Fico tranqüilo por externar essa opinião e prevenir que no futuro digam que esse tema nunca tenha sido colocado à mesa. Espero que essas informações sejam úteis para dar base ao julgamento do Projeto pelos cidadãos brasileiros.
 
(*) Carlos Bernardo Mascarenhas Alves é biólogo
Coordenador do Subprojeto S.O.S. Rio das Velhas –
Projeto Manuelzão
Coordenador Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos (CBHSF)



O projeto da transposição estará submetendo a fauna das bacias receptoras a outro impacto, talvez irreversível, com potencial extinção de espécies endêmicas



A responsabilidade histórica e as dúvidas que existem sobre o projeto, podem afetar os ribeirinhos, sobretudo pescadores. A segunda maior causa para extinção de espécies e para a perda de biodiversidade é a introdução de espécies exóticas pelas mãos do homem.


Foto: Paulo dos Santos Pompeu


Nos tempos áureos da década de 50 e 60, os pescadores pegavam belos exemplares de surubim


 


 


 


Foto: João Zinclar


Dom Luiz Cappio: a transposição não é destinada a salvar 12 milhões de nordestinos, mas é para atender ao agronegócio.