Ponto de Vista

Eles não amam a vida

15 de dezembro de 2008

lEONARDO BOFF O problema não é a Terra. Ela pode continuar sem nós. E continuará. A questão maior é o ser humano voraz e irresponsável que ama mais a morte que a vida. Mais o lucro que a cooperação e mais seu bem estar individual que o bem geral de toda a comunidade de vida…. Ver artigo


lEONARDO BOFF


O problema não é a Terra. Ela pode continuar sem nós. E continuará. A questão maior é o ser humano voraz e irresponsável que ama mais a morte que a vida. Mais o lucro que a cooperação e mais seu bem estar individual que o bem geral de toda a comunidade de vida. Se os responsáveis pelas decisões globais não considerarem a inter-retro-dependência de todas estas questões e não forjarem uma coalizão de forças capaz de equacioná-las aí, sim, estaremos literalmente perdidos.
Na verdade, se houvesse um mínimo de bom senso, a solução do cataclismo econômico e dos principais problemas infra-estruturais da humanidade seria encontrada. Basta proceder a um amplo e geral desarmamento já que não há confrontos entre potências militares.
A construção de armas, propiciada pelo complexo industrial-militar, é a segunda maior fonte de lucro do capital. O orçamento militar mundial é da ordem de trilhões de dólares. Já se gastaram, só no Iraque, dois trilhões de dólares. Para este ano, o governo norte-americano encomendou armas no valor de um trilhão e meio de dólares.
Estudos revelaram que com 24 bilhões de dólares/ano – apenas 2,6% do orçamento militar total – poder-se-ia reduzir pela metade a fome do mundo. Com 12 bilhões – 1,3% do referido orçamento – poder-se-ia garantir a saúde reprodutiva de todas as mulheres da Terra. Com grande coragem, o atual Presidente da Assembléia da ONU, o padre nicaragüense Miguel d’Escoto, denunciou que existem aproximadamente 31.000 ogivas nucleares em depósitos, 13.000 distribuídas em vários lugares no mundo e 4.600 em estado de alerta máximo. Quer dizer, prontas para serem lançadas em poucos minutos.
A força destrutiva destas armas é aproximadamente de 5 mil megatons. Esta força é 200 mil vezes mais avassaladora que a bomba lançada sobre Hiroshima. Somadas com as armas químicas e biológicas, pode-se destruir por 25 formas diferentes toda a espécie humana. Postular o desarmamento não é ingenuidade, é ser racional e garantir a vida que ama a vida e que foge da morte. Aqui se ama a morte.
Só este fato mostra que a atual humanidade é feita, em grande parte, por gente irracional, violenta, obtusa, inimiga da vida e de si mesma. A natureza da guerra moderna mudou substancialmente. Outrora “morria quem ia para a guerra”. Agora não, as  vítimas são civis. De cada 100 mortos em guerra, 7 são soldados, 93 são civis, dos quais 34, crianças. Na guerra do Iraque já morreram 650 mil civis e apenas cerca de 3 mil soldados aliados. Hoje assistimos algo, absolutamente inédito e de extrema irracionalidade: a guerra contra a Terra. Sempre se faziam guerras entre exércitos, povos e nações.
Agora, todos unidos, fazemos guerra contra Gaia: não deixamos um momento sem agredi-la, explorá-la até entregar todo seu sangue. E ainda invocamos a legitimação divina para o nosso crime, pois cumprimos o mandato: “Multiplicai-vos, enchei e subjugai a Terra” (Gn 1,28). Se assim é, para onde vamos?  Não para o reino da vida.


O teólogo Leonardo Boff completou 70 anos dia 14 de dezembro. Boff deixou a Igreja, mas se mantem junto aos movimentos sociais. Produziu mais de 100 livros de idéias que incorporam à política, a defesa da ecologia, da questão feminina, dos pobres e da vida. Seu carisma é a semente de um pensamento transformador. Para ele, a verdadeira Igreja é o povo de Deus. A organização Igreja vem depois. Sua idéia-força está na Teoria da Libertação, que se liga ao destino dos pobres e oprimidos. (SG)