Entrevista

Carlos Fernando de Moura Delphim

24 de abril de 2010

  Folha do Meio – É incrível o comportamento dos animais em relação às suas casas!Carlos Fernando – De fato, é incrível e muito interessante. É justamente o comportamento construtivo de muitos animais que dá origem às mais curiosas formas de arquitetura. Isto decorre de atividades adotadas por diferentes espécies que se utilizam dos recursos… Ver artigo

 


Folha do Meio – É incrível o comportamento dos animais em relação às suas casas!
Carlos Fernando – De fato, é incrível e muito interessante. É justamente o comportamento construtivo de muitos animais que dá origem às mais curiosas formas de arquitetura. Isto decorre de atividades adotadas por diferentes espécies que se utilizam dos recursos provenientes dos distintos ambientes nos quais habitam.


FMA – Tem animal que ganha sua casa da natureza e outros têm que construí-las, não é?
Carlos Fernando – Esse comportamento difere do surgimento espontâneo de abrigos como as conchas dos moluscos que crescem juntamente com o organismo dessas espécies. Não ocorre de forma inativa, é conseqüência do trabalho do animal que opera não apenas como arquiteto, mas também como mestre de obra e operário, atividades sem as quais não poderia fruir as vantagens de seu engenho.


FMA – Os humanos buscaram, de alguma forma, o know-how com os animais para construírem suas casas?
Carlos Fernando – De certa forma, sim. Mas é evidente que a racionalidade e o conhecimento levaram o ser humano ao aperfeiçoamento e a uma sofisticação maior. A arquitetura bioclimática é, muitas vezes, inspirada em padrões da arquitetura animal. O fato é que alguns animais produzem estruturas extremamente complexas, com formas aparentemente mais racionais do que algumas soluções arquitetônicas humanas, como é o caso das abelhas da espécie Apis melífera, cujas edificações apresentam soluções em nada menos lógicas do que a arquitetura humana. Os favos das colméias são estruturas extremamente leves, compostas de uma seqüência de compartimentos ocos e de forma perfeitamente hexagonal.


FMA – Há casos que os animais foram mais eficazes?
Carlos Fernando – Interessante, mas há um exemplo fantástico. Nenhuma obra humana pode ser comparada pela leveza, pela perfeição, despojamento e pela capacidade de cumprir suas funções com tanta eficiência como a casa da aranha. A teia de aranha serve não apenas de abrigo como também para capturar as presas nas quais são depositados os ovos que irão alimentar as pequenas aranhas recém-nascidas. Essas construções levíssimas, quase imateriais, cuja empreitada segue uma disposição rigorosa com cada passo de construção dependendo do anterior, resistem à ventania e chuvas. Sua criação segue em ordem rigorosa, não havendo nenhuma arquitetura humana que possa a ela se comparar.


FMA – E existem outras tecnologias animais que o ser humano ainda não conseguiu copiar?
Carlos Fernando – Existem sim. Veja o caso da solução térmica adotada pelos cupins. Um cupinzeiro ou um termiteiro permite que seus moradores, os cupins, mesmo durante um incêndio, permaneçam vivos. Nos meios rurais há um costume de se cavar um cupinzeiro para em seu interior se construir fornos com a finalidade de assar alimentos. Quando não se retiram os cupins, o forno continua a crescer, mesmo sendo usado, o que se pode observar em um museu rural existente em Goiânia.


FMA – E o que mais o surpreende nestes casos?
Carlos Fernando – Muitas coisas me surpreendem. Veja, por exemplo, como é surpreendente que, sem possuir ou manejar qualquer forma de ferramenta, sem ser dotados de habilidade como são as mãos, os animais bem adaptados a seu meio ambiente puderam aprender ou criar técnicas e usos de materiais de construção. Isto lhes permitiu edificar suas moradias ao abrigo das más condições climáticas.


FMA – Há outros exemplos?
Carlos Fernando – Sim. Há animais que optam por uma arquitetura que edifica o vazio das cavidades por eles esculpidas. Outros criam obras fazendo maciços com tecidos de fibras e galhos emaranhados como o guache, as cegonhas, águias e abutres. Outros preferem viver em delicados e confortáveis casulos de pêlo, paina, lã ou musgo, de forma quase esféricas, como certos beija-flores. Quando não dispõem de cavidades naturais das quais se aproveitam, muitas espécies constroem seus ninhos furando troncos, escavando o solo ou mesmo rochas, como é o caso de mamíferos como a toupeira e o texugo. Alguns insetos e pássaros criam labirintos de peças rigorosamente idênticas entre si, como ocorre com as admiráveis obras das abelhas e dos cupins.


FMA – O ser humano busca reciclar muito suas matérias primas para a construção. E os animais?
Carlos Fernando – Esta é outra característica interessante e muito curiosa em ver como certos animais reciclam também os trabalhos de outros. Há aves, como a coruja, que se instalam em buracos escavados nas casas de outras espécies, como os cupinzeiros.


FMA –Na verdade o sistema de construção pode ser bem diferente…
Carlos Fernando – É, cada um se baseia em um diferente sistema construtivo. Os ninhos das aves são construídos das formas mais engenhosas e intricadas. Enquanto o pica-pau e o martim-pescador escavam os troncos, o joão-de-barro, um hábil construtor, constrói um domo em barro com uma planta-baixa de desenho simples, mas com funções complexas. Uma forma espiralada na qual uma pequena abertura dá acesso ao túnel curvo que conduz à câmara central.


FMA – Enfim, animais são mais engenheiros ou arquitetos?
Carlos Fernando – É verdade, alguns animais, mais do que arquitetos, são habilidosos engenheiros ao definir tipos de estruturas, suas formas e funções. É o caso do castor que constrói represas para conter as águas, cortando com seus dentes de roedor e juntando galhos e troncos nas margens dos rios, com efeitos mais positivos do que muitas barragens humanas em concreto armado.


FMA – Por que pássaros da mesma ordem, do mesmo tamanho variam tanto o tipo de seus ninhos?
Carlos Fernando – É porque a arquitetura é forma, é função e é técnica. As formas de arquitetura variam de animal para animal porque as funções referem-se à necessidade de abrigo e defesa. Sobretudo contra os predadores e contra as tempestades. E cada construtor tem suas necessidades, suas habilidades e busca a melhor forma de proteger seus ovos e filhotes. De proteção contra flutuações climáticas e mudanças ambientais, regulando temperatura, nível de umidade, danos mecânicos, troca de gases e ventilação. As técnicas dependem das funções e dos materiais, que variam tanto quanto as formas e funções, incluindo materiais naturais como barro, argila, areia, pedras, galhos, palha, fibras.


Fotos: Silvestre Gorgulho


Todos estes exemplares de ninho estão expostos no Museu do Ninho, na Pousada  Doce Recanto, do apicultor Emerson Ferreira Marcial, em Soledade de Minas, no Circuito das Águas-MG.


 


 


 



 


 



 


 


 



 


 



 


 


 


 


detalhe casa Joao de barro



 


    


 


 


 



 


 


 


 


Emerson mostra
os detalhes de uma casa de maribondo