CASACO DE PELE

Uma defesa indefensável?

15 de fevereiro de 2011

Estou morrendo de medo de iniciar esta polêmica. Mas é da polêmica, da discussão e do debate que nasce a luz. A vida me ensinou que é muito melhor debater uma questão sem resolvê-la do que resolver uma questão sem debatê-la. Portando, vou encarar esta discussão por vários motivos. Primeiro por ser na Folha do… Ver artigo

Estou morrendo de medo de iniciar esta polêmica. Mas é da polêmica, da discussão e do debate que nasce a luz. A vida me ensinou que é muito melhor debater uma questão sem resolvê-la do que resolver uma questão sem debatê-la. Portando, vou encarar esta discussão por vários motivos. Primeiro por ser na Folha do Meio Ambiente, se eu cair no ostracismo (me lembro que no colégio ao me deparar com a palavra “ostracismo” eu pensei que era cair em um monte de ostras largadas no chão, e bem verdade é quase isso), o editor pode se comover e continuar a publicar fatos que eu me atreva a comentar (“Amigo é para estas coisas”). Depois, os leitores me arrasarão e “perua” será o melhor adjetivo que receberei. Mas me sinto bem em colocar na mesa este tema e gostaria muito que as pessoas pudessem, pelo jornal ou pela internet, participar desta discussão.


Se eu colocar o contexto inicial, pode ser que angarie alguns simpatizantes. O sonho de todo amante do tênis é assistir as finais do ATP – tour, que é semelhante à Copa do Mundo do futebol, entre os oito melhores deste esporte, que eu adoro. A sede do evento foi Xangai durante anos, muito longe do Brasil, mas bota longe nisso. Agora mudou para Londres. E para lá me mandei a despeito do anunciado frio de rachar.
Quando cheguei os jornais Londrinos exibiam em letras garrafais SNOWVEMBER; gostei do trocadilho e ele era pertinente, pois não nevava, em novembro, em Londres, há 30 anos.
Saí à rua, o termômetro marcava -4º C,  voltei correndo e vesti o casaco de vison, emprestado pela minha irmã, que eu levei, mas nunca pensei que chegaria a usá-lo. Tenho que confessar, me senti uma atriz dentro dele (lembram da Miranda no filme “O Diabo veste Prada”), mas depois fiquei tão quente e protegida que o meu lado ecológico foi para as cucuias.
Peço publicamente perdão à Marina (a nossa ex-quase-futura presidenta) pelo meu primeiro pecado capital, a VAIDADE!
Os pecados não pararam por aí. Veio o segundo, a MENTIRA, e o confessarei com detalhes.
Uma mulher no metrô, maravilhada com o casaco, alisou a pelagem e me perguntou:
– “It?s real?”.
 E eu rapidamente e tentando não gaguejar disse:
–  Nãããão!!! É sintético! Eu comprei nos Estados Unidos.
Para minha defesa, só tenho a acrescentar que no metrô, fiquei com medo de me matarem. Eram muitos à minha volta, pois o metrô está sempre lotado, principalmente nas linhas que cruzam a cidade.
Se me roubassem o casado, ou eu morreria de frio para chegar ao hotel ou morreria nas libras esterlinas para comprar outro casaco para a dona dele.
Com a bagagem de dois pecados capitais numa mesma semana fui pesquisar e organizar a minha defesa nos papos que tenho com Deus.
Os animais cuja pelagem é utilizada para a confecção dos casacos de pele, também nos dão a sua carne para a nossa alimentação, e muitas são consideradas iguarias para os grandes “chefs”.
Os pincéis de Renoir, Rembrant, Picasso e tantos outros grandes pintores eram e continuam sendo de vison.
O vison e a marta são a designação comum a várias espécies de mamíferos predadores mustelídeos como a doninha, a lontra e a ariranha. A raposa é (também) um mamífero carnívoro e predador. É bom não esquecer que não é só o homem que é predador. É lógico que como a espécie mais bem adaptada à Terra, recebemos a marca de PREDADOR MAIOR.
A chinchila, o coelho e o ratão de banhado são nomes de espécies diversas de mamíferos roedores. As chinchilas foram descobertas no seculo XVI e logo caçadas por causa da pele.
Em 1923 estavam praticamente extintas e foram salvas pelo biólogo Mathias Chapman que trouxe os últimos 11 exemplares do Chile para os Estados Unidos e é, agora, um animal criado comercialmente e vendido como estimação e até mesmo para confecção de casacos. É bom frisar que nada que caia no gosto do homem, seja animal ou vegetal, se extingue. Porque mal ou bem nós temos cuidado com eles. O resto é considerado “ervas daninhas ou animais desprezíveis”.
Eu sei que são necessárias centenas de arminhos e chinchilas, dezenas de martas-zibelinas, martas canadianas, ratos almiscarados, sariguéias, coelhos, guaxinins, coiotes, lontras, raposas douradas, linces e castores para se fazer um casaco de peles até o joelho, mas nenhuma destas espécies está extinta. Os mustelídeos são bravios e atacam o homem. Quem não se lembra do bombeiro, que morreu no Zoológico de Brasília, quando entrou no viveiro deles, a nossa ariranha, para salvar uma criança?
Eles sofrem nas armadilhas horas e horas até a chegada do caçador. E o gado, que comemos, não sofre nos abatedouros? Sua pele não é usada para casacos, cintos e sapatos?
O ratão do banhado virou praga às lavouras, tanto em Portugal como na Lousiania (EUA) e agora o uso da sua pelagem na confecção de casacos de pele é incentivada, fazendo com que eu questione se o problema é emocional, ecológico ou econômico. Uma espécie de coelho está também sendo criada em cativeiro para que seu pelo cresça mais. Logo o preço de um casaco de coelho já subiu de valor para um quarto do preço de um de vison. Em cativeiro criamos frangos, que enchemos de hormônios e ração para depois comer. Os gansos são alimentados sem parar até os servirmos como “foie gras” que nada mais é do que fígado gorduroso, aliás no homem nós chamamos de esteatose hepática, um pé para se chegar a cirrose. O gado é estabulado para que sua carne fique mais macia e a coleta de leite seja mais produtiva e fácil.
Não vou nem citar o comércio e o consumo de caviar… Mas faço questão de falar de outros tipos de casacos de material sintético seja nylon, espuma, microfibra, etc. Todos são derivados do petróleo, um recurso não renovável e com forte impacto ambiental em todo processo de produção. O gosto popular obrigou a indústria a colocar um pouco de material sintético no linho para que ele não amassasse tanto e na lã para que não pinicasse. Quanto às alergias eu nem comento. O que me resta fazer para agradar? Desistir de Londres em snowvember ou nunca mais olhar o casaco de vison da minha irmã?


(*) Rosete Ramos de Carvalho é médica.


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