Agricultura sustentável

Ontem, terra seca. Hoje, fazenda Produtora de água

22 de abril de 2012

Se Cristo multiplicou pães e peixes, as barraginhas multiplicam águas e fartura. Os exemplos estão aí. Quem for São Tomé – e tem que ver para crer – não precisa ir lá longe no interior do Piauí ou no pobre Vale do Jequitinhonha para comprovar. A 80km de Belo Horizonte, a fazenda Boa Vista, no… Ver artigo

Se Cristo multiplicou pães e peixes, as barraginhas multiplicam águas e fartura. Os exemplos estão aí. Quem for São Tomé – e tem que ver para crer – não precisa ir lá longe no interior do Piauí ou no pobre Vale do Jequitinhonha para comprovar. A 80km de Belo Horizonte, a fazenda Boa Vista, no município de Baldim, antes terra seca, hoje é fazenda produtora de água. O milagre? Milagre, não! É tecnologia e muito trabalho. A fazenda Boa Vista é do ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli que resolveu dar exemplo: “A natureza é exuberante e pródiga, não tem água na sua propriedade quem não quer”, explica ele. 

 

 

"Existem três tipos de fazendas: 
As fazendas produtoras de água. 
As fazendas mistas, produtoras e consumidoras. 
As fazendas consumidoras de água."
 
 

Alysson Paolinelli

 

A HISTÓRIA – Em 1992, Alysson Paolinelli comprou umas terras no município de Baldim e começou a fazer da fazenda Boa Vista uma propriedade produtora de água.  Quando Paolinelli comprou a fazenda, ele desabafava com os amigos:  – “Aqui na região todo mundo dizia que a cada 10 anos, oito anos são de problemas. Você colhe bem dois anos e por oito anos é crise por causa das instabilidades climáticas. Nos meses de janeiro/fevereiro sempre tem o fenômeno dos “veranicos”. São até 45 dias sem chuva. É seca mesmo”.

Disse mais: – “Há uns 20 anos, aqui tinha muita erosão e eu só tinha água para o gado na porta da fazenda. Era um só lugar para o gado beber água. O que o gado ganhava comendo, perdia em energia em andar para buscar água a quatro quilômetros. Hoje é o inverso. Tem água por toda parte e acabaram as erosões”.
Qual o milagre? Não tem milagre. Tem é tecnologia e trabalho. Hoje a fazenda do Paolinelli é uma produtora de água. A água está disponível de duas formas: ou colhidas in loco em pequenos açudes e barraginhas que recebem as chuvas ou em lagos e no lençol freático.  As águas estão como que armazenadas igualzinho à silagem. Junta-se na chuva para gastar na seca.
O próprio Paolinelli explica: “Chamei aqui o Luciano Cordoval da Embrapa e começamos a experiência. Comecei fazendo açudes, depois conheci as barraginhas da Embrapa e passamos a plantar açudes e barraginhas. Sem segredos nem mágicas. Enfrentando a realidade pura. Nas encostas de serra, montes e pastagens onduladas, onde tinha enxurrada construímos barraginhas e nos pontos mais fortes açudes. Barramos quase todas as enxurradas da fazenda. A água se multiplicou e a erosão acabou”.
 
 
Água e sustentabilidade
 
O que são fazendas produtoras de água
 
Existem três tipos de fazendas: 1) fazendas produtoras de água. 2) fazendas mistas, produtoras e consumidoras. 3) fazendas consumidoras de água.
As fazendas produtoras de água normalmente se localizam em regiões onduladas, com montes e próximas às serras. Ficam, em geral, em regiões de pecuária, o que favorece o escorrimento de enxurradas pelo solo principalmente pela compactação provocada pelas patas do gado. É justamente o local ideal para colocar as barraginhas. Já as fazendas consumidoras de água estão imediatamente abaixo das produtoras de água, se localizam na transição do ondulado com as baixadas, são as com topografia entre 2 a 8% ótimas para a agricultura irrigada.E as mistas, ou seja: aquelas que produzem água, colhem as chuvas e armazenam em lagos, lençol freático e consomem simultaneamente para sua própria irrigação. Mesmo nas fazendas produtoras onduladas encontram se áreas de 2 a 8 % sendo possível o autoconsumo pela da irrigação.
 
Lei que penaliza
Uma observação para os que fazem as leis e também para os que fazem a a gestão dos recursos hídricos.
Hoje as leis penaliza o produtor de água. Exemplo: em Minas Gerais o produtor só pode gastar 30% de sua água produzida. Os outros 70% têm que escoar adiante. Outros estados, como São Paulo, podem gastar acima de 50% . 
Mas o pior da história é que a lei favorece o fazendeiro consumidor. Aquele que não fez nenhum investimento de proteção de solo e da água em sua propriedade. Apenas usufrui abundantemente de uma água existente.
Já o fazendeiro que investiu para guardar água das enxurradas, que usou das tecnologias mais simples para ser um produtor de água, não têm nenhum bônus por parte do Estado.
 
 
Luciano Cordoval – Entrevista
 
Folha do Meio – Luciano, explica melhor o projeto do ex-ministro Paolinelli.
Luciano – Nestes últimos 20 anos, o Paolinelli não ficou nem um ano sem construir um único açude ou uma barraginha. Nos primeiros dois anos ele barrou uns 70 pontos básicos, mais visíveis, dispersando água por toda fazenda para distribuir suas pastagens com bebidas perenes. Hoje já barrou uns 200 pontos, aqueles que se percebe ser encontro de três a cinco enxurradas que se encontram. E quando isso acontece, é sinal que merece mais alguma barraginha acima. Elas complementam os açudes, porque infiltram e ajudam a perenizar a água…”
 
FMA – E quando começou a dar resultado?
Luciano – Só depois do segundo para o terceiro ano. Aí começou a brotar água por todo o lado na fazenda. Foi possível perceber os minadouros e as nascentes passaram a formar corguinhos de água limpa, correndo para riachos, chegando até ao rio das Velhas e ao São Francisco na barra do Guaicuí em Piarapora”. 
 
FMA – E como está a fazenda hoje?
Luciano – A fazenda Boa Vista virou uma produtora de água. Mudou sua história. O Paolinelli, além do gado já tem peixes que povoam os açudes. Mas agora vem o pulo do gato. Ele está estruturando a fazenda para ser também consumidora de água via irrigação suplementar. Os pontos de água viram hidrantes. Como o Paolinelli é detalhista, ele está trabalhando para colocar a água em pontos estratégicos, “nos topos” de montes, em lagos impermeabilizados e fazendo lagos chamados de múltiplo uso.
 
FMA – O que são lagos de múltiplo uso?
Luciano – São lagos impermeabilizados com lona de plástico comum, coberto com uma camada de 25 cm de terra para sua proteção, com volumes entre 5.000 e 10.000 metros cúbicos de água, para serem cheios à noite. Por que à noite? Por causa da tarifa de energia reduzida para irrigação, que tem 75% de redução do custo comparado à tarifa normal. Assim o fazendeiro está guardando água e subsídios. Economiza duas vezes. 
 

FMA – Então economiza três vezes, porque depois a água vai irrigar por gravidade?
Luciano – Isso mesmo, durante o dia a lavoura pode ser irrigada por queda natural, pela gravidade, de morro abaixo. Vira um projeto sustentável e racional. Este projeto já foi desenvolvido pela Embrapa em Sete Lagoas. Não basta disponibilizar água farta na baixada, água marginal, mas sim em pontos estratégicos. A irrigação tem que beneficiar várias áreas. Para isso é necessário transferir água do ponto A, ao ponto B, por elevatórias em tubos livres de pressão do serviço de irrigação. Como eu disse, à noite, com tarifa reduzida, apenas transfere água da baixada ao topo com motores menores. No dia seguinte, outra bomba também com motor menor fará a pressão chamada de serviço, para fazer a “chuva” por aspersores, ajudada pela queda livre da gravidade. Assim, poderá suplementar áreas no veranico com plantios de épocas diferentes, salvando uma e outra cultura, a que estiver mais necessitada. Milagre? Não, tecnologia e bom senso.