Editorial

20 de dezembro de 2012

  Caro leitor, permita-se relembrar meus 40 anos de formatura e homenagear meu paraninfo Orlando Vilas-Bôas. Ele nos deixou há 10 anos. Carta que escrevi por ocasião de seu falecimento.   Meu amigo Orlando Villas-Bôas:   A vida ensina sempre. Ensinou a você, ensina a mim e aos nossos filhos. Uma das coisas que aprendi… Ver artigo

 

Caro leitor, permita-se relembrar meus 40 anos de formatura e homenagear meu paraninfo Orlando Vilas-Bôas. Ele nos deixou há 10 anos. Carta que escrevi por ocasião de seu falecimento.
 
Meu amigo Orlando Villas-Bôas:
 
A vida ensina sempre.
Ensinou a você, ensina a mim e aos nossos filhos. Uma das coisas que aprendi é que só a saudade faz a gente parar no tempo. Sua despedida neste 12 de dezembro, me fez voltar ao mesmo dezembro de 1972, quando você, que tinha acabado de chegar das margens do rio Peixoto, onde contactava os Krenhacãrore, pegou uma kombi em São Paulo e foi para Belo Horizonte paraninfar a turma de Comunicação da UFMG. Por três dias ficou hospedado na minha “república” no 32ª andar do edifício JK, na Praça Raul Soares.
Na véspera da formatura, meus 29 colegas e eu tivemos uma verdadeira Aula Magna de Brasil. Foi a mais importante aula dos meus quatro anos de universidade. A aula que direcionou meu caminhar profissional: o jornalismo de meio ambiente. Éramos 30 formandos que, na véspera da grande festa, sentamos no chão do meu apartamento, em círculo como nas tribos, para embevecidos escutar você falando de florestas, de índios, de brancos, de rios e de bichos. Sua primeira lição foi, para mim, ex-seminarista, um susto:
 
“Desde o Descobrimento o homem branco destrói a cultura indígena. Primeiro para salvar sua alma, depois para roubar sua terra”. 
 
Depois vieram as perguntas para matar nossas curiosidades. Suas respostas doces, duras e definitivas vinham enriquecidas pela vasta vivência de décadas na Amazônia, como último dos pioneiros da saga da expedição Roncador/Xingu. Eram ouvidas com máxima atenção:
 
“Foram os índios que nos deram um continente para que o tornássemos uma Nação. Temos para com os índios uma dívida que não está sendo paga”.
 
“Não fosse a Escola Paulista de Medicina, a Força Aérea Brasileira e a nossa teimosia, muitas tribos já teriam sido aniquiladas”.
 
“O Serviço de Proteção ao Índio, no Brasil, nunca teve lugar seguro: começou no Ministério da Guerra, com o Marechal Rondon. Depois foi transferido para o Ministério da Agricultura, estagiou no Ministério do Interior e estacionou no Ministério da Justiça. Como o próprio índio, esse serviço parece um estorvo”.
 
“O índio só pode sobreviver dentro de sua própria cultura”.
 
Amigo Orlando, você foi jse untar ao Leonardo, Álvaro e Cláudio, seus irmãos aventureiros. No céu, devem estar relembrando histórias fantásticas, enquanto na terra, para os índios, vocês vão se juntar ao Sol e ao trovão para virar lenda. E, para os brancos, deixam uma lição de vida e de coragem.
Das lições daquela noite de 20 de dezembro de 1972, eu guardo uma muito especial. Em vez de ensinar, o homem branco deveria ter humildade para aprender. Você falava da harmonia em uma tribo:
 
“O velho é o dono da história, o adulto é o dono da aldeia e a criança é a dona do mundo”.
 
Meu amigo, obrigado pelas lições dadas há exatos 30 anos. Obrigado por você ter me apresentado o Brasil e ensinado a ser brasileiro. Nunca mais vou esquecer que para a criança ser a dona do mundo, nós temos que seguir seu exemplo de garra, de audácia e de aventura para defender nossas culturas, conservar nossa diversidade, preservar nossas florestas, proteger nossos rios e contactar sempre em nome da paz.
SG