13 de maio acende debate sobre raça negra

26 de março de 2013

  Paulo Paim carrega em sua trajetória parlamentar a onquista de ter incluído na legislação o caráter imprescritível e inafiançável para o crime de discriminação e preconceito.   Cláudia Mesquita   uando assumiu o poder na África do Sul, depois de uma vida de luta pelo fim de apartheid, o líder político e empossado presidente… Ver artigo

 

Paulo Paim carrega em sua trajetória parlamentar a onquista de ter incluído na legislação o caráter imprescritível e inafiançável para o crime de discriminação e preconceito.
 
Cláudia Mesquita
 
uando assumiu o poder na África do Sul, depois de uma vida de luta pelo fim de apartheid, o líder político e empossado presidente daquele país, Nelson Mandela, teve como prioridade determinar que fossem reescritos todos os livros sobre a história do povo negro sul-africano. Era a tentativa de um resgate da identidade da maioria negra sofrida e discriminada por uma elite branca.
A educação foi um dos passos de Mandela para refazer aos poucos um povo esfacelado. No Brasil, racismo passou a ser crime inafiançável, mas é um tema que não assusta. O preconceito racial velado com que convive a sociedade brasileira limita a capacidade de se discutir profundamente o assunto, mas é um dado real neste país. Essa observação é de parlamentares da Câmara dos Deputados que aproveitaram a comemoração do dia 13 de maio para reacender o debate sobre a tímida importância que o tema ganha no Legislativo.
São poucas as propostas de leis que hoje tramitam na Câmara dos Deputados tratando de questões voltadas para a comunidade negra ou que dizem respeito ao preconceito da cor. Avanços significativos ocorreram na legislação, nos últimos anos, mas a morosidade com que essas propostas tramitam no Congresso serve para medir a pouca prioridade que o tema recebe. Nesta Legislatura, questões relativas às minorias indígenas estão sendo tratadas em 48 projetos de lei e propostas de emenda constitucional; os pleitos da maioria negra mereceram 7 projetos de lei dos deputados.
Autor de quatro projetos de lei que atende à população negra, o deputado Paulo Paim (PT-RS) acha que há um interesse de cunho ideológico em não reconhecer esse debate. Paim carrega em sua trajetória parlamentar a conquista de ter incluído na legislação brasileira o caráter imprescritível e inafiançável para o crime de discriminação e preconceito. Seu projeto, apresentado em 1996, foi transformado em lei sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 13 de maio de 1997, passou a prever até três anos de prisão e multa para o preconceito de raça, cor, etinia, religião ou nacionalidade.
 
Um último projeto dispõe sobre a representação racial e étnica nos filmes, programas e peças publicitárias veiculadas pelas emissoras de televisão.
 
Indenização
Paulo Paim trabalha agora para aprovar uma idéia bem mais ousada. Voltou a tramitar nas comissões da Câmara seu projeto apresentado em 1995 que garante a reparação, com indenização no valor equivalente a R$ 102 mil, a todos os descendentes de africanos escravizados no Brasil. O projeto n0 1.239 prevê o resgate da cidadania dos descendentes dos escravos no país também com providências educacionais, culturais, além da indenização.
A proposta de Paim determina que governo federal, estaduais e municipais assegurem a presença do descendente de africano nas escolas públicas, em todos os níveis, proporcionalmente à presença desses descendentes no conjunto da população local. O governo tem ainda de providenciar outras políticas compensatórias para os descendentes de escravos – emprego, acesso à mídia, políticas habitacionais em centros urbanos.
Outros dois pojetos de lei do deputado petista certamente encontrarão menos obstáculos para avançar a discussão na Câmara. Tratam da identificação etno-racial nos sistemas de informação de seguridade social; de ação da União no incentivo à pesquisa de doenças etno-raciais e aos programas de educação e saúde a elas relativos. Um último projeto dispõe sobre a representação racial e étnica nos filmes, programas e peças publicitárias veiculadas pelas emissoras de televisão, para assegurar a participação de artistas negros e pardos.
Afrodescendentes
Também polêmico, por impor restrições às produções exibidas pelas redes de TV, o projeto de lei de número 4.370, de 1998, determina que os filmes e programas veiculados pelas emissoras de televisão deverão apresentar imagens de pessoas afrodescendentes em proporção não inferior a 25% do número total de atores e figurantes. No caso das peças publicitárias veiculadas na TV e em salas de cinema, essa proporção não pode ser menos que 40%.
Os órgãos de administração direta, autárquica ou fundacional, empresas públicas e sociedades de economia mista passam a ser obrigados a incluir cláusula de participação de artistas afrodescendentes, também na proporção de 40% do total de artistas e figurantes, nos contratos de realização de filmes, programas ou propaganda, e a garantir oportunidades iguais de emprego.
 
Por que Carlinhos Brown é um cidadão do 30 milênio?
Evadido da escola antes de terminar a primeira série do curso primário, vivendo uma infância pobre no bairro do Candeal, em Salvador, Antônio Carlos dos Santos Freitas, o Carlinhos Brown, o mais velho de nove irmãos, inventou a Timbalada e projetou a música afrobrasileira no mundo.
Sua vivência na vida e na arte, mais do que sua educação escolar, e o ritmo frenético da Timbalada, deram a Carlinhos Brown uma posição de relevo na cultura negra, especialmente na Bahia.
Em recente entrevista à revista Ícaro, Brown falou abertamente das relações entre negros, índios e brancos no Brasil. 
Embora negro, recusa-se a ser considerado exclusivamente da raça negra, e sentencia: "Eu de mim tenho parte da origem negra. Mas eu não sou inteiramente, porque sou muito índio, sou muito português, sou muito mouro, sou muito saxônico… Sei lá o que eu sou… Eu sou um cidadão do terceiro milênio, porque pelo fato de ser miscigenado estou aguçado para entender o ser humano todo".
 
Milano Lopes

 

Representação
A cultura de que no Brasil não existe racismo camufla a necessidade de uma discussão mais séria esse tema: os brasileiros de origem africana não têm presença na mídia", afirma Paulo Paim, para quem há uma política deliberada de "fazer de conta" que não há preconceito de cor no País, que reflete também no Congresso Nacional. Dados do IBGE levantados ano passado pelo deputado petista mostram que mais de 44% da população brasileira são pretos ou pardos, enquanto 55% são brancos e 0,5% são amarelos. A representação dessa população no Congresso não se repete: a comunidade negra não chega a 5%.
"Estou convencido de que o primeiro passo a ser dado é na educação", defende ele. Sua colega petista do Rio Grande do Sul, deputada federal Esther Grossi, pensa como Paim e no mês passado reapresentou projeto de lei  dispondo sobre a obrigatoriedade da inclusão, no currículo oficial da rede de ensino, da temática "História e Cultura Afro-brasileira".
"O preconceito no Brasil é um dado real e é constatado também nas escolas, partindo dos próprios professores", observa a deputada e educadora. O projeto de Esther Grossi introduz um novo conteúdo nas disciplinas de História, Literatura ou Artes, para enraizar conceitos na identidade do brasileiro – a influência negra na origem e cultura dessa sociedade. Embora tenha valorizado a cultura negra em seu projeto de lei, a deputada ressalta que está claro que o preconceito no Brasil não se restringe aos negros, mas às comunidades étnicas entre si e às classes mais pobres.
 
Empresas
O deputado Paulo Rocha (PT-PA) ainda não conseguiu desemperrar seus dois projetos de lei, intensificando a punição de atos de preconceito de raça ou de cor, que aguardam a indicação de relatores na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. O primeiro projeto, de número 27 deste ano, acrescenta artigo à Lei nº 7716 de janeiro de 1989 que definiu os crimes resultantes de discriminação ou preconceito racial, de cor, etnia, religião ou procedência nacional. O projeto cria responsabilidade penal de pessoas jurídicas cujos funcionários realizem práticas de racismo.
A proposta de Paulo Rocha prevê que as empresas respondam por multa de 30 salários mínimos ou proibição de funcionamento por seis meses, ano, ou definitivamente, caso funcionários em serviço pratiquem atos de preconceito ou discriminação racial. Isto sem prejuízo às penalidades individuais já expressas em lei. As empresas também ficariam obrigadas a estabelecer, no prazo de três meses depois da publicação da lei, programas de Direitos Humanos sobre os danos causados pelo racismo e a importância do respeito à diversidade racial e de cor, como também étnica, religiosa e de nacionalidade.
 
Meio Ambiente
"A Constituição prevê a penalização das pessoas jurídicas em hipóteses de crime contra a ordem econômica e danos contra o meio ambiente, e nossa proposta é adequar a legislação que criminaliza o racismo às inovações verificadas nessas áreas", explica Rocha. Segundo o parlamentar petista, ele considera a questão tão importante que desde o início desta Legislatura retomou essa proposta inicialmente apresentada na Câmara pelo ex-deputado petista Luiz Alberto, em 1997.
O outro projeto apresentado por Paulo Rocha, também uma reedição da proposta de Luiz Alberto, prevê alguma proteção às vítimas de preconceito racial ou de cor que não têm condições de arcar com despesas financeiras para requerer seus direitos na Justiça. O parlamentar observa que a Lei 9.459 (que previu reclusão de até três anos para prática de racismo) é um avanço significativo, mas apresenta falhas.
Segundo Rocha, a legislação não considerou que os agredidos ali referidos são geralmente pobres e não têm condições de exercitar plenamente o direito de queixa pela impossibilidade de contratação de advogado, ou mesmo por desconhecimento dos serviços de assistência judiciária ou da Defensoria Pública. O projeto de lei garante que a ação penal movida por crime preconceito racial será impulsionada pelo Ministério Público, para afastar qualquer atitude discriminatória.