Ilha de Trindade

Ilha de Trindade

19 de abril de 2013

Rômulo Mello e Luana B. Stocco falam sobre o esforço para recuperar esse paraíso                         Mesmo tão pequena, a ilha de Trindade, que está a 1.167 quilômetros de Vitória-ES,   tem atrações naturais diversificadas: são 12 praias, a maioria formada por solo de pedra e… Ver artigo

Rômulo Mello e Luana B. Stocco falam sobre o esforço para recuperar esse paraíso 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Mesmo tão pequena, a ilha de Trindade, que está a 1.167 quilômetros de Vitória-ES,   tem atrações naturais diversificadas: são 12 praias, a maioria formada por solo de pedra e corais, e cada enseada possui uma característica diferente, como um pico, uma vegetação rasteira, uma piscina natural, solo de terra vermelha, túnel e costões íngremes. 

 Trindade foi ocupada por portugueses e ingleses e está sob domínio brasileiro desde 1910. Já recebeu visitas de piratas, pesquisadores e prisioneiros políticos 

Desde 1957 é guarnecida pela Marinha do Brasil, com cerca de 40 homens, que permanecem na ilha por períodos de quatro meses. Possui uma estação meteorológica que diariamente envia dados para a Diretoria de Hidrografia e Navegação. Recentemente, um grupo de pesquisadores e gestores ambientais participaram de uma expedição científica à Ilha. Dois deles, Rômulo Mello e Luana B.Stocco, conversaram longamente com a Folha do Meio sobre  a viagem. Rômulo tem história na gestão da política ambiental,  pois já foi presidente do Ibama e do ICMbio. Hoje é analista ambiental do ICMBio. Luana B. Stocco é bióloga e mestranda, pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo.
  
Rômulo Mello e Luana B. Stocco – ENTREVISTA
 
Folha do Meio – Primeiro, como foi a viagem da costa até a ilha de Trindade?
Rômulo Mello – Olha, foi muito boa. Foram 90 horas de viagem a bordo do “NDCC Almirante Sabóia”. O NDCC é um navio lento, mas com grande estabilidade, pois funciona como embarcação de  descarga de carros de combate da Marinha do Brasil.  A estabilidade ainda foi ampliada por um presente nos concedido por Netuno, que ao longo de toda a viagem deixou o mar tranquilo e calmo. Durante o caminho, passamos por cima da Cadeia Vitória-Trindade, formada por montes submarinos que se estende perpendicularmente entre a Ilha da Trindade, o Arquipélago de Martin Vaz e a costa do estado do Espírito Santo.
 
FMA – Montes submarinos? Como assim…
Luana Stocco – Nesta área que o Rômulo citou, existem algumas  montanhas submarinas que alcançam entre 100 e 20 metros e são separadas por profundidades entre 2.000 e 4.000 metros. Imaginar esta grandiosidade nos fez pensar na nossa pequenês, diante da natureza. No quarto dia de viagem acordamos cedo tomados pela euforia de finalmente chegar ao nosso destino. As primeiras luzes do amanhecer há 70 milhas da Ilha da Trindade dão forma a uma estrutura vulcânica que se destaca na imensidão do azul. 
 
FMA – Qual a primeira impressão?
Luana Stocco – Olha, a primeira impressão é de imponência, afinal são 620 metros de rocha acima da linha d’água, parte de uma montanha com mais de 5.800 metros partindo do fundo do oceano. Após os minutos de contemplação todos são tomados pela agitação provocada pela logística da Marinha para viabilizar o desembarque de pesquisadores, marinheiros e mais de 70 toneladas de materiais para sustento e manutenção do Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade, chamado POIT.
 
FMA – Tem muita vegetação à primeira vista?
Luana Stocco – Não!  A cobertura florestal original, parecida com a Mata Atlântica, foi perdida quase por completo ao longo da sua história. Em 1700, Trindade foi ocupada primeiro por ingleses e depois por 130 açorianos que quando partiram deixaram para trás cabras, porcos e ovelhas que tiveram grande responsabilidade na tonalidade marrom vista por nós. Estes animais se alimentavam da vegetação e pisotiavam as plânulas que germinavam, e dessa forma não permitiram que a mata se mantivesse. 
 
FMA – E por quê não eliminaram as causas de degradação?
Rômulo Mello – Justamente por isso foi criado o Posto Oceanográfico, em 1957. Mas só a partir da década de 90, os professores Ruy Alves e Johann Becker, do Museu Nacional, juntamente com a Marinha do Brasil desenvolveram ações para eliminar o rebanho de cabras que ainda existia e assim acabar com a causa da degradação. Atualmente, existem apenas 5% da floresta original. As Florestas de Samambaiaçus devido a sua estrutura botânica conseguiu sobreviver às cabras. Mas a cobertura da vegetação tende a aumentar: a parceria entre a Marinha do Brasil, o Museu Nacional e a SOS Mata Atlântica e pesquisadores tem se esforçado para reflorestar a ilha com espécies nativas e, assim, estancar a erosão provocada pela ausência de cobertura florestal. 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rômulo Mello percorreu toda a ilha de Trindade: atualmente, existem apenas 5% da floresta original
 
 
 
“Em algumas áreas já é possível notar o resultado de todo o esforço. A vegetação tem, lentamente, colorido a paisagem de verde, mesmo enfrentando mais um desafio.” 
Rômulo Mello

 

Pesquisadores tinham três dias para fazer a tarefa

 

Luana Stocco:
Estudar a Ilha da Trindade é atrativo principalmente pela sua grande distância da costa. Um elevado grau de isolamento proporciona condições propícias à especiação, ou seja, surgimento de espécies novas.
 
 
 
 
 
 
 
FMA – Deu resultado?
Rômulo Mello – Em algumas regiões já é possível notar o resultado de todo o esforço. A vegetação tem, lentamente, colorido a paisagem de verde, mesmo enfrentando mais um desafio, os camundongos que se alimentam das sementes, limitando a recuperação da cobertura florística.
 
FMA – Vocês tiveram tempo para realizar todas as tarefas científicas?
Luana Stocco – Olha, a maior parte dos pesquisadores tinha apenas três dias para realizar suas tarefas. As atividades incluíam coleta de solo, de ictioplâncton, de plantas e de comportamento de avifauna. Mesmo com pouco tempo disponível, com dedicação foi possível realizar todas as tarefas. Estudar a Ilha da Trindade é atrativo principalmente pela sua grande distância da costa. Um elevado grau de isolamento proporciona condições propícias à especiação, ou seja, surgimento de espécies novas. 
 
FMA – Existem ali espécies endêmicas?
Rômulo Mello – Sim, Trindade é habitada por duas subespécies endêmicas de fragatas (Fragata minor e Fregata ariel).  O projeto TAMAR também está presente na ilha monitorando tartarugas verde que chegam para desovar e tartarugas de pente que utilizam a área para alimentação. 
O caranguejo amarelo é um dos animais que mais nos chama a atenção, no entardecer são vistos em grande quantidade por toda a ilha. Vale destacar que esta espécie de caranguejo é endêmica de ilhas oceânicas e se encontra na lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção. Além de outras aves oceânicas como viuvinhas, trinta réis, atobas e varias  espécies vegetais. 
 
FMA – E a fauna oceânica, ou submersa?
Luana Stocco – A ilha impressiona muito. Estudos registraram nova espécie de esponja que existe apenas em uma de suas piscinas naturais. Além disso, Trindade tem, atualmente, 129 espécies de peixes registrados, entre estes estão peixes papagaio, garoupas, badejos, xaréis, tubarões lixa e tubarões de recife. 
O endemismo de peixes recifais, porém, é baixo. Pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo tem estudado se a Cadeia Vitória-Trindade poderia agir conectando populações de peixes entre Trindade-Martin Vaz e a costa brasileira. A coleta de ictioplâncton que acompanhamos tem como um dos objetivos estudar esta hipótese.
 
FMA – Apesar da imponência, a ilha tem sua fragilidade botânica e ambiental.
Luana Stocco – Sim, é verdade. A gente nota bem isso no final da viagem porque a primeira impressão é de imponência, mas logo a gente tem essa sensação de fragilidade que você está falando. A verdade é que Trindade sofreu com suas ocupações e as consequências são vistas até hoje. 
Medidas estão sendo tomadas para deixá-la mais próxima do natural. Foi criado o ProTrindade que é um Programa de Pesquisas Científicas na Ilha de Trindade, tocado pela Comissão Interministerial dos Recursos do Mar – CIRM, coordenado pela Marinha do Brasil. O programa é conduzido por pesquisadores do Museu Nacional,  das universidades e da SOS Mata Atlântica. A verdade é que o esforço que se faz é compensatório. Quando se sobe lá no Pico do Desejado, o ponto mais alto de Trindade, é possível ver quase toda a ilha. Mas aí é algo tão impressionante que fica impossível descrever.
 

 "A verdade é que Trindade sofreu com suas ocupações e as consequências são vistas até hoje." 

Luana Stocco