Editorial

26 de novembro de 2014

O recado desta “Carta ao Leitor” é de Manoel Wenceslau Leite de Barros. Sim, o Poeta do Pantanal que nos deixou na manhã de 13 de novembro, aos 97 anos. Manoel de Barros sempre foi igualzinho ao Tuiuiú: pantaneiro por excelência. Nasceu em Cuiabá, viveu muito tempo em Corumbá, morou em Campo Grande-MS e agora… Ver artigo

O recado desta “Carta ao Leitor” é de Manoel Wenceslau Leite de Barros. Sim, o Poeta do Pantanal que nos deixou na manhã de 13 de novembro, aos 97 anos.
Manoel de Barros sempre foi igualzinho ao Tuiuiú: pantaneiro por excelência. Nasceu em Cuiabá, viveu muito tempo em Corumbá, morou em Campo Grande-MS e agora revive na memória de sua gente.
Conversei duas vezes com Manoel de Barros em sua fazenda. Uma figura genial. Doce e faceira. 
Imagina que aos 18 anos, ele quase foi preso por ter pichado “Viva o comunismo” num monumento. O policial o liberou ao ver seus escritos: “Nossa Senhora de Minha Escuridão”. Ganhou a liberdade, mas perdeu os originais de seu primeiro livro de sonetos. 
Manoel de Barros sempre foi um pesquisador de expressões. Fez magias com as palavras. Seu regionalismo é global. Nascem da natureza pantaneira e do cotidiano para ser universal. É ele próprio que diz: “A evolução para a linguagem enxuta é a evolução para o absoluto. Meus escritores favoritos são aqueles que se encaram como seres de linguagem. O Dalton, o Machado, o Guimarães Rosa, o Gregório de Matos, o João Cabral, o Augusto dos Anjos, o Pessoa, a Clarice Lispector.”
Seu primeiro livro,” POEMAS CONCEBIDOS SEM PECADO”, foi feito artesanalmente por 20 amigos, numa tiragem de 20 exemplares e mais um, que ficou com ele. 
Espero que a Fundação Manoel de Barros que nasceu com a missão de promover e apoiar cultura e assistência social com ações nas áreas pesquisas e da ciência, da tecnologia e da arte, continue o trabalho maravilhoso do Poeta do Pantanal.
 
“Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”.
 
“Onde eu não estou, as palavras me acham.” 
 
“O ínfimo tem sua grandeza e ela me encanta. “Gosto muito das coisas desimportantes, como os insetos. Não só das coisas, mas também dos homens desimportantes, que eu chamo de desheróis”.
 
“No Pantanal não se pode passar a régua. A régua impõe limites e o Pantanal não tem limites. Tem uma estrutura aquática que não permite que ele seja modificado.”
 
“O estilo é coisa quase genética. Todo escritor surge de uma doença. Quanto mais um escritor é atingido pela anormalidade, mais seu estilo aparece.
 
“Eu gozo com as palavras. Meu gozo é no fazer. É no fazer o verso que o poeta goza. Eu tenho isso: todo verso meu, eu gozei nele. Não escrevo muito porque eu demoro muito para gozar. Eu trabalho muito em cima das palavras, bolino muito as palavras, acaricio”.
 
Gratuidade das aves e dos lírios
“Sempre que as gratuidades pousam em minhas palavras, elas são abençoadas por pássaros e por lírios.
Os pássaros conduzem os homens para o azul, para as águas, para as árvores e para o amor.
Ser escolhido por um pássaro para ser a 
árvore dele: eis o orgulho de uma árvore.
Ser ferido de silêncio pelo vôo dos pássaros: eis o esplendor do silêncio.
Ser escolhido pelas garças para ser o rio delas: 
eis a vaidade dos rios.”
(…)
 
Ah, que estas palavras gratuitas possam agora servir de abrigo para todos os pássaros do Brasil.
Adeus, Poeta do Pantanal! Salve, Poeta da Natureza!
 
SG