MMA e o BNDES

O saber popular

3 de fevereiro de 2020

    Sobre o contrato firmado entre o MMA e o BNDES para valorizar o patrimônio genético brasileiro e os conhecimentos tradicionais, promovendo seu uso de forma sustentável, vale lembrar o exemplo do Deco (José Hermínio Inácio). Aliás, o biólogo e poeta Mia Couto tem toda razão: “Viajo muito pela savana de meu país. Nessas… Ver artigo

 

 

Sobre o contrato firmado entre o MMA e o BNDES para valorizar o patrimônio genético brasileiro e os conhecimentos tradicionais, promovendo seu uso de forma sustentável, vale lembrar o exemplo do Deco (José Hermínio Inácio). Aliás, o biólogo e poeta Mia Couto tem toda razão: “Viajo muito pela savana de meu país. Nessas regiões encontro gente que não sabe ler livros, mas que sabe ler o seu mundo. Nesse universo de outros saberes, sou eu o analfabeto”.
 
 
QUANDO A BUROCRACIA MATA O SABER POPULAR
A TRISTE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS INEXISTENTES
 
 
 
A vida é assim: cada um oferece de melhor aquilo que tem dentro do coração. E o saber popular, que está no coração, é uma riqueza incalculável. É um bem difuso e um patrimônio sociocultural imensurável conquistado por observações feitas ao longo de muitas e muitas gerações. O saber popular é um olhar raro e minucioso do cotidiano. Pode ser o conhecimento de um remédio, de um conto, de uma lenda, de um provérbio, de um hábito que se perpetua para sempre na memória de um grupo ou de uma pessoa vivida e experiente pelas vicissitudes da vida. 
 
O saber popular pode vir dos índios, dos quilombos, dos mateiros, enfim, de pessoas e comunidades que preservam a história, costumes, valores de plantas e tradições de uma região. Não há como ser diferente: é uma indignação o Estado brasileiro não valorizar o saber popular. Mas o que dizer quando o Estado vai além, quando desconsidera, menospreza, e chega a destruir a sabedoria popular? Podemos considerar um crime de lesa-pátria. E é justamente o que está acontecendo em Minas Gerais em relação ao aproveitamento de funcionários dos parques e áreas de preservação.
 
Depois de assistir aos desmandos, roubalheiras, negociatas de políticos que por tanto tempo entregaram o corpo e a alma ao diabo fantasiado de “empreiteiras”, como evitar que o mesmo Estado mate também a coisa mais simples e mais inocente do mundo que é um analfabeto das letras, mas um letrado da vida seja abandonado e retirado de seu trabalho onde contribuiu para a compreensão da realidade dentro de uma floresta?
 
Vale pensar: por que o Estado moderno persegue cada vez com maior competência o lema de solucionar problemas onde eles nunca existiram e deixa à míngua as reais necessidades na busca de uma sociedade mais justa, humana e integrada à natureza? 
 
Minas Gerais – estado que sempre valorizou a sabedoria popular- passou a dar exemplo dessa mentalidade tacanha. A burocracia engendrada pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais – IEF conseguiu, em pouco tempo, desmantelar as equipes de sabedores populares formadas com dificuldade ao longo de décadas pelos gerentes dos Parques Estaduais. 
 
O conhecimento e as habilidades dos mateiros e moradores dos entornos dos Parques, características adquiridas e aprimoradas em até duas décadas de experiência como guias, batedores de trilhas, abertura de aceiros e combate a incêndios florestais, foram descartadas sumariamente. 
 
Agora o Governo de Minas prima pela modernidade: os novos funcionários contratados para trabalhar nos parques sabem qual o partido de Donald Trump nos Estados Unidos, qual é o ‘site’ de relacionamento menos usado pelos internautas, com quantas figurinhas se completa um álbum e outras baboseiras. 
 
Resta saber onde e quando o conhecimento exigido em uma prova inconsistente e prenha de erros de português poderá ser útil na manutenção e na administração de Parques com características próprias e tão particulares.
 
Este tema pode ser explicado por uma experiência bem concreta. Vale lembrar a lição de um “pesquisador popular” para explicar o que está acontecendo nos parques das Gerais.
 
Deco assimilou a nova filosofia preservacionista e se transformou em botânico intuitivo e autodidata. A burocracia não entendeu que Deco é referência para os pesquisadores e visitantes que se interessam pelos aspectos naturais do Cerrado.
 
 
José Hermínio Inácio, o DECO, já foi carvoeiro, agricultor, carpinteiro, mateiro e oleiro antes da criação do Parque Estadual do Rio Preto. Mas Deco virou de lado. Usou toda sua experiência como explorador da natureza para assimilar uma nova maneira de viver: virou preservacionista e faz parte de uma equipe de ex-carvoeiros e mateiros para ajudar no dia a dia do Parque. 
 
Deco assimilou a nova filosofia preservacionista e se transformou em botânico intuitivo e autodidata. A burocracia não entendeu que Deco é referência para os pesquisadores e visitantes que se interessam pelos aspectos naturais do Cerrado. Deco aprendeu e memorizou os nomes científicos das plantas e se tornou, para botânicos e biólogos das Universidades, referência de conhecimento popular. Professores e alunos o procuram em busca dos nomes populares da fauna e da flora e suas utilidades terapêuticas e medicinais. 
 
Detalhe importante: aos 50 anos, Deco conseguiu seu diploma de ensino fundamental para se inscrever no concurso realizado no dia 05 de março último. 
 
“Ô moço, a dissertação era sobre preservação da natureza e eu nadei de braçada”, Deco comemorou. 
 
Eliminado pela prova que queria saber o partido de Donald Trump, Deco não se abala: “Só posso ser muito agradecido ao Parque do Rio Preto por esses 20 anos de convivência. Antes de entrar no Parque, eu tinha preconceito de mim mesmo e hoje eu sei que uma provinha dessa não avalia coisa nenhuma. E eu sou fraco nesses assuntos que eles perguntaram”. 
 
Pois bem, a burocracia do IEF realizou novo processo seletivo e optou por dispensar o Deco de suas nobres funções. O Parque do Rio Preto perdeu seu esteio. O caso da dispensa de José Hermínio revolta e emociona visitantes, pesquisadores e antigos funcionários.  
 
Pior para o Parque do Rio Preto. Pior para o Meio Ambiente. Pior para o Brasil. 
 
Os burocratas não aprendem que cada um só pode oferecer aquilo que tem dentro do coração.
 
Parque Estadual do Rio Preto 
 
 
PARQUE ESTADUAL DO RIO PRETO
 
 
 
 
 
HISTÓRIA – Em 1991 o Rio Preto foi declarado Rio de Preservação Permanente, concretizando o grande interesse da comunidade de São Gonçalo do Rio Preto. Esta ação culminou na necessidade de proteger sua nascente. Dois anos depois foi sancionada a lei que autorizou a criação do Parque Estadual do Rio Preto, através do decreto Nº 35.611 de 01 de Junho de 1994, com uma área total de 10.755 hectares. O Parque conta com inúmeros atrativos turísticos, destacando-se as cachoeiras do Crioulo e da Sempre- Viva, as pinturas rupestres e os mirantes naturais que permitem a contemplação de toda a área da Unidade e do entorno. No interior do Parque ainda há as opções de alojamentos, área de camping, restaurante, centro de visitantes e banheiros no caminho de algumas trilhas. O Parque Estadual do Rio Preto possui como cobertura vegetal nativa os campos de altitude, os campos rupestres, os cerrados, os cerradões e as matas de altitude, tipologias vegetacionais, que cobrem mais de 99,5% da área. Na área do Parque predominam espécies vegetais importantes do estrato arbóreo como o pau-d’óleo, a sucupira, o ipê, o cedro, o jatobá, o ingá, a candeia, esta última bastante frequente em áreas de transição entre a mata e os campos de altitude.