PERCORRENDO O VELHO CHICO

Das nascentes à foz do rio São Francisco

30 de setembro de 2020

  O rio São Francisco é tão importante, tão imprescindível e tão fundamental à economia, à História e à cultura brasileira que ele tem duas nascentes oficiais. Este é um fato que veio a público pela primeira vez em abril de 2004, pela própria Folha do Meio Ambiente, na sua edição 146. Vale lembrar rapidamente… Ver artigo

 

O rio São Francisco é tão importante, tão imprescindível e tão fundamental à economia, à História e à cultura brasileira que ele tem duas nascentes oficiais. Este é um fato que veio a público pela primeira vez em abril de 2004, pela própria Folha do Meio Ambiente, na sua edição 146. Vale lembrar rapidamente o porquê e como isso aconteceu.
 
 
HISTORICAMENTE, a nascente do rio São Francisco está na Serra da Canastra, Cachoeira Casca d’Anta, no município de São Roque de Minas. Mas aí começa a controvérsia. Em abril de 2004, num furo de reportagem, a Folha do Meio Ambiente publicou um estudo inédito de técnicos da Codevasf sobre a verdadeira nascente do rio São Francisco.
 
GEOGRAFICAMENTE, pelos estudos técnicos a nascente verdadeira do rio São Francisco está no Planalto de Araxá, município de Medeiros. Levantamentos por imagens de satélite, cartografia adequada, visita às nascentes e utilização de GPS geodésico realizados pelos técnicos da Codevasf atestaram o rio Samburá como parte da bacia hidrográfica do São Francisco, configurando-se como um rio principal e não um afluente. 
 
Para não melindrar a cultura, a geografia e as conveniências políticas, houve uma decisão tão salomônica quanto mineira: O rio São Francisco tem duas nascentes. Uma Histórica e outra Geográfica.
 
 
 
 
EDIÇÃO 146, DE ABRIL DE 2004.
 
A César o que é de César, a Deus o que é de Deus e a São Francisco o que é do São Francisco. Sobretudo, a correta certidão de nascimento. Como se vai revitalizar um rio se mal se sabe seu tamanho? Nem onde nasce? Essa é a questão colocada na reportagem que anunciou o resultado do relatório final de uma equipe técnica da Codevasf, coordenada pelo engenheiro agrônomo Geraldo Gentil Vieira. Equipe de trabalho da Codevasf era formada por: Geraldo Gentil Vieira (eng. agrônomo), Leonaldo Silva de Carvalho (agrimensor), Miguel Farinasso (eng. agrônomo), Paulo Afonso Silva (eng. civil) e Rosemery José Carlos (geógrafa).
 
 
NOVA NASCENTE, NOVAS MEDIDAS
 
Assim, desta óbvia constatação surgiram os novos dados do maior rio totalmente brasileiro: 2.814,12 km para o trecho tradicional ou histórico do rio, com as nascentes na serra da Canastra, e 2.863,30 km para o trecho dito geográfico do Samburá, que tem as nascentes na Serra d’Agua, no pequeno município de Medeiros.
 
É bom salientar que a equipe técnica responsável pelo relatório final "Determinação da Extensão do rio São Francisco" deixa claro duas coisas: 
 
Primeiro, para dirimir a polêmica sobre o que é curso principal e tributário uma ampla pesquisa foi feita em sites de universidades brasileiras e americanas, Unesco, dicionários cartográficos e geológicos. [Tributário – Diz-se de um curso d'água, em relação a outro, cujas águas afluem em direção a este outro. Por isso, são também ditos afluentes. O rio "A" é tributário, ou afluente, de "B" quando as águas de "A" desembocam em "B"]. 
 
Segundo, "o conceito que envolve deságua ou desemboca sugere que o afluente tem na confluência uma cota de talvegue mais alta [Talvegue – O canal mais profundo do leito de um curso d’água].
 
Já quando se diz que o afluente é um rio menor que contribui para a vazão de um outro maior, há a dúvida sobre qual o critério de comparação: se o maior dos dois é o rio que tem maior vazão, extensão, largura (na confluência) ou maior na bacia de contribuição".
 
 
NASCENTE NO SAMBURÁ E O NOVO PARQUE
 
Nesta linha de raciocínio, Geraldo Gentil Vieira explica porque a nascente então está no Samburá: "Na busca de dados geográficos mais precisos, comprovamos tecnicamente que a bacia hidrográfica, a vazão, a calha e a profundidade do Samburá são maiores. Para chegar a estes dados usou-se imagens de satélite, cartografia adequada, visita às nascentes, e foi utilizado GPS geodésico ASTECH SCA 12S, teodolito Zeiss THEO 010, distanciômetro AGA210 Geodimeter e nível Zeiss. A equipe utilizou uma metodologia capaz de atender as escalas existentes". 
 
 
PROPOSTA PARA EXTENÇÃO DO PARQUE – 
 
A proposta para extensão do Parque Nacional da Serra da Canastra continua no papel. Hoje, já passados quase duas décadas e concluídos os trabalhos da equipe da Codevasf, novos desafios se apresentam. Para Geraldo Gentil, “temos que desengavetar e usar estes dados para uma próxima bandeira que será estender o Parque Nacional da Serra da Canastra até o Samburá. Temos que criar o Parque Estadual da Mata de Pains, de 6 mil hectares, unindo tudo isto pela Área de Proteção Ambiental das Dez Cidades-Mães do São Francisco, proposta que apresentamos no SpeleoBrazil2001 [13º Congresso Internacional de Espeleologia] 4° Congresso Latino-Americano e o 26º Congresso Brasileiro de Espeleologia, realizados em Brasília, com 43 países participantes e ao governo federal, em 2004, no plano de revitalização do rio São Francisco".
 
E conclui o agrônomo-ambientalista com autoridade de quem se embrenhou nas matas e campos, vasculhou palmo a palmo as margens de um e de outro rio: "Assim são os rios, assim são os homens. Ambos têm os seus humores e critérios". 
 
 
PORTAS PARA O ECOTURISMO
 
Para os proprietários de terra tradicionais e os recém-chegados sojicultores à região, Gentil Vieira dá boa dica: "Todo este trabalho de preservação abrirá as portas para o ecoturismo. Algumas atividades predadoras, os garimpos, já vêm sendo substituídos por pousadas e hotéis-fazenda. Esta é uma nova alternativa de ouro e diamante que gera emprego, renda e desenvolvimento sustentável na região. Na minha opinião, o turismo ecológico, o queijo canastra/pecuária de leite, a piscicultura, a fruticultura, o café e a cachaça de qualidade devem ser o carro-chefe da economia regional. Temos que acabar, paulatinamente, com as lavouras anuais altamente impactantes ao solo e corpos d`água do frágil ecossistema das cabeceiras".
 
 
 
A verdadeira nascente do Velho Chico não está no Parque Nacional da Serra da Canastra, onde fica a belíssima cachoeira Casca d´Anta (163 metros de altura) que maravilhou bandeirantes e portugueses e continua a ser destaque na exuberante paisagem da região. Aliás, foi justamente essa exuberância que extasiou os primeiros desbravadores e naturalistas, como Saint-Hilaire, que preferiram dar ao São Francisco um berço mais alto, de onde desaba a cachoeira Casca d’Anta.
 
 
 
 
 
 
O Samburá tem mais de 140km de extensão até encontrar o rio São Francisco. Já o rio São Francisco até encontrar o Samburá são exatos 98,12 km. Da confluência até a foz são 2.716 km. Segundo Gentil Vieira a nascente do São Francisco está a 98,12km acima do encontro com o rio Samburá. Enquanto o São Francisco nasce a 1.469 metros de altitude, o Samburá nasce no planalto de Araxá a 1.254,66 metros. O total da nascente geográfica até a foz, em Piaçabuçu, são 2.863,30 km. 
 
 
 
 
FOLHA DO MEIO AMBIENTE CONTA HISTÓRIA DA NOVA NASCENTE EM 2004
 
Nas edições 146 e 147, de maio e junho de 2004, a Folha do Meio Ambiente divulgou os estudos sobre a nova nascente do rio São Francisco. Vale a pena lembrar e reler algumas páginas dessa epopeia empreendida por uma equipe técnica da Codevasf.  
 
 
A Folha do Meio mostra na edição 147, de maio de 2004, a confluência história e geográfica do rio São Francisco.
 
 
 
 
As novas medidas e o mapa do rio São Francisco da nascente à foz, em Piaçabuçu.
 
 
 
 
O infográfico da Folha do Meio explicou em detalhes porque a nascente geográfica do Velho Chico está no rio Samburá. A nascente histórica, na cachoeirO infográfico da Folha do Meio explicou em detalhes porque a nascente geográfica do Velho Chico está no rio Samburá. A nascente histórica, na cachoeira Casca d’Anta, na Serra da Canastra.a Casca d’Anta, na Serra da Canastra.
 
 
 
 
Ao pé do ipê amarelo brotam as águas cristalinas do rio Samburá, nascente geográfica do rio São Francisco que atravessa cinco estados (MG, BA, PE, SE e AL) até a foz no oceano Atlântico.
 
 
 
 
A reportagem em inglês da Folha do Meio Ambiente percorreu o mundo.