As pessoas em primeiro lugar
22 de março de 2024Maria Auxiliadora – pescadora de Morada Nova de Minas (foto: acervo da autora) Desde 1902 a escassez de água é narrada na literatura nacional, como pode ser vista na obra de Euclides da Cunha, muito antes das agências internacionais trazerem o tema para o sul global, como se fossem nos salvar da exploração… Ver artigo
Maria Auxiliadora – pescadora de Morada Nova de Minas (foto: acervo da autora)
Desde 1902 a escassez de água é narrada na literatura nacional, como pode ser vista na obra de Euclides da Cunha, muito antes das agências internacionais trazerem o tema para o sul global, como se fossem nos salvar da exploração que eles mesmos – países do norte global – nos submeteram.
Anos depois, em 1993, o dia 22 de março foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Internacional da Água (world water day) para dar luz à relevância da água doce, essencial à manutenção da vida.
Mas antes de celebrar essa data, apresento duas perguntas: como eliminar das estatísticas as 15 mil mortes por ano, decorrentes de doenças causadas por precariedade de saneamento básico? Como tornar acessível a água potável, para as mais de 33 milhões de pessoas no Brasil sem esse alcance?
Alguns países da América do Sul já inseriram no texto constitucional a previsão do acesso à água como um direito humano (Uruguai, Bolívia, Equador e Paraguai). No Brasil, a “PEC da água potável” pretende incluir na Constituição Federal o acesso à água potável entre os direitos e garantias fundamentais.
Ainda no campo legislativo, foi promulgada a Lei 14.026 de 2020 que atualiza no Marco Legal do Saneamento Básico e possibilita a privatização dos serviços de saneamento básico, com a finalidade de aprimorar e universalizar o acesso. A competência foi atribuída à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), responsável também por editar as normas de referência.
Apesar da água em abundância, do conhecimento técnico e teórico sobre recursos hídricos, é o orçamento destinado à pauta que poderá garantir a solução para os problemas causados pela ausência da universalização dos serviços de saneamento a todas as pessoas.
Investimentos em infraestruturas para armazenamento, tratamento e abastecimento; proteção, valorização de recursos hídricos naturais e ecossistemas são algumas das estratégias apontadas há anos para possibilitar saneamento básico à todas as pessoas. Contudo, a ausência de orçamento suficiente limita esse direito, previsto, ainda que indiretamente, na Constituição Federal.
Desafios apresentados pelo aumento da população, da demanda do setor industrial, agrícola e os efeitos das mudanças climáticas ameaçam ainda mais a disponibilidade de água potável na sociedade contemporânea, tornando essencial o diálogo de autoridades sobre a preservação e manutenção.
O dia mundial da água é uma oportunidade para gestoras e gestores públicos apresentarem os resultados de suas ações, coordenadas com os investimentos técnicos realizados e os números alcançados. A data oferece a chance de diálogo sobre as tecnologias disponíveis para distribuição e manutenção da água e a revisão das normas de referência, a criação de outras que possam ser necessárias e por fim, a tradução desses levantamentos em números, para o planejamento e a busca do orçamento necessário à solução do “problema da água”.
Além do interesse social e econômico, a água possui aspectos afetivos e culturais para práticas esportivas, recreativas, espirituais para quem vive nas beiradas dos rios e também para aquelas pessoas que tem acesso ocasional.
Disputas em torno do tema são transnacionais e sabemos que “não há seca. Há secas”, sendo este um debate com recorte de classe, raça e gênero bem delimitados pelo racismo ambiental. Estudos revelam que 1 a cada 4 mulheres não possui acesso a água tratada, são em maioria negras, com baixa escolaridade, em condição de pobreza e localização geográfica periférica, dados que se cruzam nas mulheres mais afetadas pela falta de saneamento básico.
Para responder algumas das demandas de saneamento básico, uma vertente otimista acredita que a privatização dos serviços de saneamento básico – possibilitada pelo NMSB poderá reduzir as estatísticas de mortes decorrentes de doenças causadas por precariedade dos serviços, e tornar acessível, para as mais de 33 milhões de pessoas, a saneamento básico tema que engloba a água potável. De outro lado está a condenação da privatização dos serviços de água e saneamento prevista como violação de direitos e risco à integridade das pessoas alijadas do acesso.
Apesar da divergência dentre as estratégias a serem adotadas para solucionar o acesso para todas as pessoas, ao fim e ao cabo a solução para isso está no orçamento. E quem decide se esse tema merece ou não maior investimento são os representantes do Poder Executivo, ou seja, as figuras políticas.
No dia mundial da água vamos comemorar a melhoria das políticas públicas voltadas para a proteção da vida das pessoas por meio do acesso à água limpa e cobrar o fortalecimento e a transparência da pauta. Afinal, para alcançar os serviços de saneamento e a consequente universalização de acesso à água potável é preciso revisitar os valores e destinação de recursos orçamentários.
Fontes:
AMNB – Associação de Mulheres Negras Brasileiras. Disponível em <https://amnb.org.br/racismo-ambiental-no-brasil-prejudica-o-acesso-de-mulheres-negras-a-agua-potavel-e-saneamento-basico/>
Campos, J. N. B. (2014). Secas e políticas públicas no semiárido: ideias, pensadores e períodos. Estudos Avançados, 28(82), 65-88.
COLLARES, I. Z. Universalização do Acesso à Água Potável. Editora Dialética. 2023.
MAB: Movimento dos Atingidos por Barragens. Entrevista com Leo Heller.2023. Disponível em <https://mab.org.br/2023/03/22/entrevista-leo-heller/>
Nações Unidas: https://www.un.org/en/observances/water-day, acesso em 21 de março de 2024.
RIBEIRO, Mônica T. M. Vozes Submersas: políticas públicas, desenvolvimento resistência lá na Morada. 2021. Disponível em https://www.amazon.com.br/Vozes-Submersas-pol%C3%ADticas-desenvolvimento-resist%C3%AAncia-ebook/dp/B099SCKWS4
____ Risk, Resilience and Gender in the Current Petrópolis Tragedy. Disponível em <https://blogs.ucl.ac.uk/irdr/2022/03/10/risk-resilience-and-gender-in-the-current-petropolis-tragedy/>
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. 2000.
TRATA BRASIL. Disponível em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://tratabrasil.org.br/wp-content/uploads/2022/09/Relatorio_Completo_-_2022.pdf